quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Iémen e o perigo das cuecas

Parece ser uma piada, mas este título quer apenas chamar atenção para um acontecimento importantíssimo dos últimos dias (para além da questão iraniana, à qual me dedicarei amanhã).

Um atentado falhado não causa assim um tão grande impacto. Exceptuando, talvez, nos media americanos, que devem andar por esta hora a fazer um alarido com as questões de segurança no seu país, ao ponto de divulgarem já a imagem das cuecas do senhor que ia provocar a explosão no avião para Detroit.

Mas há inúmeras questões de fundo que se prendem com isto e que eu deixo aqui para reflexão.

1. Estes atentados vêm dar razão a Obama e ao seu reforço na luta contra a Al-Qaeda (organização que reivindicou o atentado falhado);

2. A Al-Qaeda não está, nem de longe nem de perto, imobilizada ou amputada; continua activa e sem problemas em causar mortes e chamar as atenções para a sua causa jihadista.

3. O fundamentalismo islâmico está a difundir-se e o Iémen é um dos locais mais propícios a essa disseminação, enquanto país pobre e com porblemas estruturais que é. A presença de jihadistas no Iémen é já muito forte e planeiam-se ataques a partir de lá.

4. Poderão os EUA vir a abrir uma terceira frente de guerra? Terminam de vez com o Iraque (já em vias de extinção enquanto palco de guerra activo) e viram-se para o Afeganistão e o Iémen? E quando deslocarem os fundamentalistas o seu ninho deste país da península arábica para outro como a Somália? Irão os EUA defender-se atacando também no Corno de África?

5. Qual o papel dos restantes países nesta história toda? Destruir um avião que chega aos EUA, mas que partiu da Europa não significa um perigo para todos? Uma necessidade de cooperação na resolução deste problema? Não se aperceberá a opinião pública europeia destas ameaças também à sua segurança?

Muitas outras questões poderia levantar aqui, como a da segurança nos aeroportos, mas limito-me a estas. Um atentado falhado no dia de Natal, a concretizar-se, iria espalhar o medo pelo mundo ocidental; o seu falhanço deveria alertar para a mesma situação, porque com ou sem a morte daqueles passageiros, a segurança do mundo continua frágil...

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Uma nova Revolução Iraniana?

Em 1973, o Irão viveu uma revolução que pôs fim a um período de relativa laicidade e o substituiu por um regime islâmico.

Há uns meses para cá, mais precisamente depois da polémica reeleição de Ahmadinejad, os motins têm-se multiplicado nas ruas, assim como as mortes, as detenções e os ferimentos de todos aqueles que continuam, insistentemente, a opor-se ao regime que dizem fraudulento.

Tão insistentemente e sempre com os mesmos resultados, que os leitores deixaram de prestar atenção a tais incidentes. No entanto, os motins regressaram, mais uma vez, com força; um sobrinho do líder da oposição, Mousavi, foi morto durante os confrontos com as forças de segurança; outros tantos tiveram o mesmo destino; o próprio Mousavi foi demitido da Academia de Ciências iraniana; os jornalistas estrangeiros foram expulsos do Irão, mas chegam às redacções ocidentais imagens e filmes que os próprios manifestantes enviam para denunciar o que se vive no país. Ainda mais sintomática é a recusa de alguns polícias a atirarem contra os que participam nestes motins.

A questão que eu queria trazer aqui (e que é, de resto, já levantada por vários especialistas) é se não se estará a aproximar uma nova revolução iraniana? Até que ponto é que todos estes sinais não começam a ser demasiado evidentes e persistentes para que se pense que tudo ficará igual? Conseguirá o regime islâmico de Ahmadinejad e de Khomeini suprimir todo este descontentamento? Estaremos nós a começar a viver uma mudança brutal na comunidade internacional que resultaria da queda de Ahmadinejad?

Vou acompanhar com muita atenção os próximos dias. A semente começa a brotar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Segurança internacional

A batalha que a coligação liderada pelos EUA no Afeganistão está a travar é, fundamentalmente, contra os taliban e a sua protegida al-Qaeda, a par com outras organizações extremistas islâmicas menores.

O que está realmente em causa nesta luta, para além de interesses subsidiários também menores, é a segurança internacional. Isto porque se os Taliban (grupo inicialmente formado por estudantes islâmicos que queriam governar no Afeganistão) têm uma tendência natural de circunscrição ao espaço afegão, a dimensão da al-Qaeda é essencialmente transnacional. E isto causa graves e sérios e preocupantes problemas a toda a comunidade internacional.

Enquanto organização moderna que é, a al-Qaeda funciona anonimamente em dezenas de países e espalha-se como perfeitas metástases de um cancro que é o fundamentalismo seja ele de que religião for.

Dois sinais foram visíveis nos últimos dias:

O primeiro, a tentativa de um nigeriano de fazer explodir um engenho num avião com destino aos Estados Unidos. É África como um dos principais acolhedores de visões extermistas de alguém que contraria e combate os ocidentais. Isto porque o autor da tentativa de crime, que resultou apenas em queimaduras suas, era filho de um banqueiro nigeriano e teria, com algumas suspeitas do pai nesse sentido, ligações àquela organização islâmica (ou seria, por enquanto, um aspirante). Não deflagrou, mas podia ter deflagrado; não matou, mas podia ter causado a morte a umas dezenas de pessoas.

O segundo é a notícia de que a al-Qaeda estará a planear ataques a partir da sua base... no Iémen. Pois, já não é só no Afeganistão e no Paquistão onde ela está mais activa, tendo-se estendido para um dos países árabes mais pobres, onde veicula os seus valores e ideologias anti-ocidentais e de violência, cada vez mais activamente.

Estes acontecimentos exigem uma reflexão profunda sobre as nossas concepções de guerra e de intervenção, especialmente, claro está, no caso do Afeganistão e do Paquistão e a necessidade de compreensão do conceito mais alargado de segurança, para lá daquele de curto-prazo e de imediato. Não é uma guerra ao terror, não é o eixo do mal; é, simplesmente, conter um dos actuais grupos mais perigosos porque eficazes, influentes, extremistas e violentes, que têm capacidade para pôr em causa a segurança internacional.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Liu Xiaobo



Há uns tempos, escrevi um post aqui no blogue sobre a detenção (durante um ano sem acusação) de um dissidente chinês, veterano de Tianamen, crítico do status quo chinês.

Precisamente no dia de Natal, a 25 de Dezembro, foi notícia na imprensa internacional o resultado do julgamento de Liu Xiaobo, condenado a 11 anos de prisão e mais dois de perda de direitos políticos. A acusação foi clara: "incitamento à subversão do poder do Estado." Este julgamento durou alguns dias apenas, foi criticado por alguns países ocidentais e não pôde contar com a presença de jornalistas para fazerem o relato do mesmo.

A China clama que todos os outros países estão a meter-se em assuntos que são da sua soberania e jurisdição e ignora as críticas lançadas por vários líderes, tanto europeus, como dos Estados Unidos.

A pena, que poderia ir até os 15 anos de prisão, é ainda assim a mais pesada dos últimos anos para crimes deste género. Daí se possa concluir que o regime não esteja para abrandar na pressão que exerce junto da sociedade.

Como refere Jane Macartney, correspondente do Times na China, "o partido revela um medo quase patológico do seu próprio povo. Que ele possa ter medo de um professor de literatura de 53 anos virtualmente desconhecido entre os seus 1,3 biliões de conterrâneos é uma demonstração de fraqueza." E é-o, efectivamente. Mas porque o PCC sabe, perfeitamente, o perigo do exemplo, do precedente, da excepção, da fuga e da perda de controlo, num país constantemente ameaçado de desintegração.

Mas simultaneamente, como diz o mesmo autor, revela um sinal de auto-confiança, uma vez que se mostrou capaz e inabalável perante as críticas e os apelos das potências ocidentais. Parece uma China cada vez mais consciente do seu lugar de terceira potência mundial, que também lança as cartas na cena internacional, como foi visível em Copenhaga.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Bom Natal!



A todos os leitores e em especial aos seguidores do Internacionalizzando, os votos de um óptimo Natal!


quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A caminho da UE


Todos sabemos que os caminhos para a UE são muito diferentes: uns chegam lá, outros não; uns demoram uns meses, outros anos.

A Croácia acabou de encerrar mais uns quantos capítulos nõ seu processo de adesão à União Europeia - deve dizer-se que este país tem feito um grande esforço e os resultados estão à vista nos documentos oficiais da UE, nomeadamente nos relatórios do alargamento e nas estatísticas. Por isso mesmo, a sua adesão deve efectivar-se já em 2012.

A Sérvia iniciou o seu processo de adesão. O caminho dos sérvios parece-me bem mais longo e, para mim, não o alcançarão antes de 2015, a correr tudo muito bem. Problemas de minorias e questões étnicas, Direitos Humanos, uma história mal resolvida e um barril de pólvora que pode não estar assim tão longe de um rastilho pronto a acender-se; o Kosovo é outro dos calcanhares de Aquiles deste país balcânico, a par de variadíssimas outras questões. Mas o seu caminho começou.

E enquanto a Sérvia se inicia nestas andanças e a Croácia dá passos de gigante em direcção aos 27, já a Turquia continua com os seus pequenos passos de bebé. Abriu recentemente o capítulo do ambiente, que é muito complexo e consumirá muito tempo. A questão turca é especialmente delicada: há décadas que esperam a luz verde, há anos que se esforçam por melhorar a sua situação, mas o contexto não é o mais propício. Para além de não conseguirem resultados brilhantes, atendendo à sua própria natureza, o interesse político é escasso e a UE tem conseguido adiar ad eternum a sua adesão. Os EUA promovem-na, mas a Alemanha contraria-a. A Europa está dividida, quer em termos de elites, quer em termos de população. O risco é ter uma Europa islamizada (ainda que demorada) ou muito deslocada para Leste. Para mim, talvez ainda pior, seja ter uma Turquia que se canse de ser moderada, que veja o sucesso dos vizinhos radicais e que se torne extremista mesmo ali às portas da União.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Presidente DJ

Talvez por andar a fazer investigação sobre o Afeganistão, talvez por estar a ler o "State Building" do Fukuyama, talvez por ter escrito um post sobre a Somália ou talvez mesmo pelo exotismo da situação, não resisto a comentar uma notícia do jornal Público online de ontem.

Trata-se da situação no Madagáscar - além de ser o nome de um divertido filme de animação, este é também o nome de uma grande ilha que se situa na costa Este africana.

Em três dias, Madagascar teve três Primeiros-Ministros. O originador da façanha é um antigo DJ, que enriqueceu rapidamente, e que, com os seus frescos 35 anos, através de um "mal disfarçado golpe de estado", como diz o mesmo artigo, alcançou a Presidência da República.

Para quebrar a gravidade da situação, arrisco-me a dizer que a população madagascarense está na vanguarda da modernidade, com um presidente malgaxe cheio de pinta... Let's Rock!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Somália - o novo Afeganistão?

Quando pensamos na Somália, inevitavelmente, surge a imagem dos piratas e de todo o esforço internacional para tornar aquela faixa marítima mais navegável e segura. O que raramente associamos a este país é a guerra contra o terrorismo.

A Somália é um estado à beira do colapso. O seu governo pouco mais influência tem do que na área da capital e, mesmo assim, não foi o suficiente para impedir um ataque a um hotel e matar uns quantos ministros, causando o caos e disseminando o medo por entre a população que se julgava mais segura naquele local do país.

Na Somália, al-Shabaab é o nome do grupo equivalente à al-Qaeda no Afeganistão. E são eles que controlam o restante território somali, tendo desenvolvido uma actividade extraordinariamente intensa de ataques bombistas e outras acções terroristas e de boicote ao governo oficial do país. São fundamentalistas islâmicos, aplicam a Sharia com rigor e, desta forma, a Somália está a tornar-se um paraíso para os terroristas, um país ingovernável, uma escola para a nova geração de fundamentalistas jihadistas.

Esta opinião, como constata um artigo do Times Online, é partilhada por muita gente e por governos ocidentais que começam a preocupar-se a sério com este país. A sua história é conturbada e o caos é quem verdadeiramente tem governado no país, onde forças oficiais, islamistas radicais, senhores de guerra e outros grupos paramilitares lutam entre si e destroem todo o país, que enfrenta uma muito séria crise humanitária.

Um estado falhado, um ninho de terroristas, um inferno para a população, uma dor de cabeça para o Ocidente, a Somália vai começar a entrar na agenda mediática internacional.

Será ela o novo Afegansitão?

domingo, 20 de dezembro de 2009

Novo governo de Karzai

Hamid Karzai tinha que escolher um governo para a sua nova legislatura, tendo em conta tanto as pressões domésticas como as internacionais. E, ontem, apresentou-o.


O cabinete será composto por 23 ministros, dos quais 11 eram já membros do governo anterior, nomeadamente aqueles das pastas-chave, como é o caso do Ministro do Interior ou o da Defesa; só há uma mulher no grupo, a que assume a Condição Feminina.

Este governo, muito na linha do anterior e sem a previsão de alterações de fundo na sua política, é apoiado pela comunidade internacional, entenda-se os Estados Unidos, uma vez que me parece que é melhor continuar com um grupo de homens já conhecidos e que não levantam muitas ondas, a inovar e arriscar-se a algumas surpresas.

O problema central no Afeganistão é, em termos de estruturas e de autoridade, a corrupção. Esta é a palavra que aparece em todos os relatórios que li sobre o país e a guerra e é um dos grandes campos de batalha dos Estados Unidos na sua luta contra a al-Qaeda. Vou tentar não me esquecer de reflectir sobre este tema num dos próximos posts.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

*Reset*

Segundo uma notícia do jornal Público online de hoje, o acordo nuclear entre os Estados Unidos e a Rússia já foi redigido e concluido entre os negociadores dos dois países. Faltam apenas pequenos "pormenores" relativos aos cortes nos arsenais, que serão discutidos pelos dois Presidentes, num encontro à margem da Cimeira de Copenhaga. Isto acontece dias depois de ter expirado o acordo START 1, assinado entre George Bush pai e Gorbachov.

A política externa americana de Obama, como penso que já referi por aqui, é bastante mais multilateral do que a de Bush, como é evidente - independentemente das motivações e dos contextos de ambos. E esta aproximação à Rússia é fundamental para o concerto europeu. Não se pode, por mais anti-Rússia que se seja, ignorar o peso deste país no sistema internacional - é uma potência nuclear, energética, demográfica e geográfica. São dados completamente essenciais e que consolidam a sua posição no mundo - há que não ignorar um actor como este. E no que toca a relações sobre o nuclear (assim como em algumas outras também), o ambiente entre ambos tem sido de cordialidade e cooperação, como é desejável.

O "reset" que Clinton promoveu logo no início do seu mandato está de facto a funcionar. O corte das ogivas estima-se em cerca de um terço. Aguardemos pelos resultados finais.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Para onde Irão?

Afinal, afinal, os iranianos não precisavam só do tão protegido urânio enriquecido para fins civis. Pelo menos esta é a conclusão da tradução de um documento do Irão que alega que os iranianos testariam componente apenas necessária para fins militares. Bem me queria parecer pacifismo a mais daqueles senhores, que, cá para mim, andavam a tentar distrair a malta enquanto concluiam a bomba... Depois já era tarde para o ameaçarem com sanções, pois está claro... Barack Obama deu até ao final do ano e, a partir daí, prometeu ser mais duro. As coisas começam a ficar sérias para aqueles lados asiáticos; bomba atómica é perigosa e em mãos menos previsíveis ainda mais.

(Então não é que o senhor que foi agredido em Itália diz que tinha um pressentimento que algo de mal ia acontecer?! Porque terá tido ele tal sensação? A sua popularidade não o denunciava; muito menos os seus comportamentos públicos. Poderes metafísicos, só pode...)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Por Copenhaga...

É inadmissível, eu sei, ainda não ter feito um único comentário à tão referenciada Cimeira de Copenhaga. E agora o que vou fazer também é um pseudo-comentário. Muito sinceramente, este não é um tema que me suscite muito interesse e que vou seguindo com o desprendimento de um qualquer leitor de notícias internacionais.

A questão do ambientalismo tem sido dúbia e muito polémica; não tenho bases suficientes para formar uma opinião sólida e coerente comigo mesmo. Esta problemática parece-me fundamental na actualidade, uma vez que a degradação ambiental é visível e mais ou menos defendida por toda a comunidade científica; no entanto, tenho muitas dúvidas quanto às formas de proteger a natureza, sem se cair em exageros ou sem deixar de se ser inconsciente relativamente aos efeitos para as próximas gerações.


Enquanto internacionalista, olho o problema como uma das temáticas que tem angariado mais visibilidade na agenda internacional: fala-se de Copenhaga há vários meses, toda a gente comenta Copenhaga, todos os manifestantes se concentram em Copenhaga (menos aqueles detidos no Irão que rasgaram a fotografia de Khomeini) e até estarão presentes altas entidades e representantes nacionais, entenda-se Chefes de Estado e governo. Há muita pressão nestas negociações e só pode esperar-se alguma coisas minimamente visível, depois dos EUA, da China e da UE se terem empenhado tanto na promoção destes valores.

Copenhaga mostra ainda este lado mais positivo do sistema internacional actual, marcado pela cooperação. Operação de cosmética, fachada imperialista, seja o que for que queiram chamar, o que é certo é que muitos países se sentam na mesma sala para falar e arranjar (interesseiramente ou não) soluções para problemas que não conhecem nem se delimitam pelas fronteiras que o homem mais ou menos artificialmente criou. Resultados esperam-se. Com que grau, dependerá da elasticidade e competência da diplomacia.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Era uma vez no Afeganistão...

Era uma vez no Afeganistão...

"Depois de os partidos mujahidin chegarem ao poder em 1992, o povo afegão pensou que a paz seria duradoura. Porém, os chefes começaram a lutar pelo poder em Cabul. Alguns chefes locais, particularmente em Kandahar, formaram grupos armados que lutavam uns contra os outros. Havia uma corrupção generalizada e roubos, havia bloqueios de estrada em todo o lado. As mulheres eram atacadas, violadas e mortas. Por isso, depois destes incidentes, um grupo de estudantes de escolas religiosas decidiram erguer-se contra esses chefes para aliviar o sofrimento dos residentes na província de Kandahar. Conseguimos assumir o controlo de alguns centros até que chegámos a Kandahar e os antigos líderes fugiram da cidade."

... a história das origens dos Taliban, pela voz de um dos seu porta-vozes, em 1996.

Para pensarmos. Porque o mundo não é maneiquisticamente preto ou branco.

In: Os Talibã: guerra e religião no Afeganistão, Peter Marsden, 2002, p. 85

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A Europa do asilo



A Europa é conhecida pela sua tolerância e abertura na recepção de estrangeiros - é uma generalização apressada, como todas, e muito perigosa, mas mesmo assim arrisco-me a traçar este enquadramento de forma genérica e de princípios, em jeito de esboço e de pensamento optimista.

Mas concretizando mais, o que queria trazer hoje aqui era um relatório do Eurostat deste mês, disponível aqui, que se debruça sobre a questão dos asilados políticos no continente europeu. Sem qualquer reflexão do ponto de vista valorativo, que deixo ao desenvolvimento de cada um dos leitores, importo alguns números mais chamativos desse documento:

1. A UE a 27 assegurou asilo político, em 2008, a 76 300 indivíduos;

2. Origens dos que requiseram este estatuto:
     1.º 22% eram iraquianos;
     2.º 12% somalis;
     3.º 10% russos;
     4.º 7% afegãos;
     5.º 6% eritreus.

3. Dois terços dos pedidos registaram-se em França, Reino Unido, Alemanha, Itália e Suécia.

4. As maiores taxas de aceitação ao primeiro pedido foram na Polónia, na Lituânia e em Portugal.

5. A França foi o país que mais asilados acolheu, seguida pela Alemanha e pelo Reino Unido.

6. A Finlândia e a Holanda foram os países com a maior percentagem de aceitação final.

(Qualquer dia, se me lembrar, faço uma breve distinção entre asilado e refugiado.)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Direitos humanos e sapatos de plástico

O Times Online noticiou outro dia que um dissidente chinês, Liu Xiaobo, está no seu segundo ano de detenção sem ter sido oficializada uma acusação. Este escritor e professor universitário foi preso no ano passado por ter sido co-autor de uma petição online que alertava para as questões dos direitos humanos na China e para o sistema de partido único que está estabelecido no país. Justificaram-se as autoridades com a genérica frase do incitamento à subversão, que anda mais na boca das elites chinesas do que comida na da miserável população.

No dia seguinte, o mesmo jornal relatou os últimos desenvolvimentos deste caso: finalmente, um ano (e alguma mediatização) depois, a acusação foi formalmente apresentada: incitamento de subversão, com uma pena de prisão que pode chegar aos 15 anos. A mulher do também já presente em Tianamen e também já detido por isso, Liu Xia, leu o documento da acusação e não está optimista, pois é lá referido que foi um "crime grave".

Isto, por ter acontecido onde aconteceu, não é surpreendente nem nos deixa de boca aberta; não causa assim um escândalo tão grande e merecerá apenas uma breve peça num telejornal. Contudo, e para além das questões dos direitos humanos, que este senhor tão bem passou a conhecer, a pergunta que eu coloco é a seguinte: quem é que se lembra de dizer que a China é o challenger dos Estados Unidos?

Como pode um país destes fazer frente aos EUA e desafiar a sua posição de líder mundial?! Convenhamos que para "liderar" a comunidade internacional, não basta só dinheiro; há uma ideologia, questões morais e de princípios; os Estados Unidos falham em muitas, assim como qualquer outro país, mas a China abusa! Lá por produzir quantidades astronómicas de sapatos de plástico (desculpem, mas eu não consigo deixar de usar esta imagem tão ilustradora), não quer dizer que possa começar a definir os caminhos do mundo... Tem ainda um longo caminho a percorrer e uma economia a crescer à custa do sacrifício da população não basta, nem bastará.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Já não deixam brincar às democracias ocidentais no Irão...

Já desde Junho que o Irão vive, constantemente, tumultos e manifestações nas ruas, muito na onda do que se passou aquando da Revolução Iraniana de 1978/9. A diferença é que não está no poder um Xá com pouco vigor e uma população inflamada, mas um ultraconservador, apoiado por todas aquelas estranhas e rígidas hierarquias clericais que fundem a religião e o Estado, numa prática teocrática tão bem conhecida.


Essa diferença é suficiente para eu estranhar que a "aceitação" desta instabilidade nas ruas de Teerão se tenha prolongado desde Junho até agora; mas os líderes iranianos acharam que já chegava de brincar às democracias ocidentais no Irão e avisaram que se acabou a tolerância - notícia do Público de ontem.

Não obstante as duas centenas de detidos (números oficiais iranianos) na sequência destas manifestações pró-Mousavi, a situação vai deixar de ser uma brincadeira. Diz a mesma notícia:

“As forças judiciais e policiais têm agido até agora com contenção com o propósito que os inimigos [do Estado] sejam claramente identificados por aqueles que os desconhecem. Mas declaro que a partir de hoje não haverá nenhuma tolerância”, afirmou Gholamhossein Mohseni Ejeie, numa conferência de imprensa na capital.

Ora, o Times Online adianta outro pormenor destas novas regras do jogo no seu título: "Iran threatens to arrest opposition leader Mir Hossein Mousavi", precisamente na lógica da política de fim de tolerância aos opositores do regime.
 
Estou espantado com esta paciência iraniana; vamos lá ver o que vai acontecer daqui para a frente...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Afeganistão outra vez

Não resisto a colocar um novo post sobre o Afeganistão, tema que me tem ocupado muitas horas nas últimas semanas...

Karzai, o Presidente da República, deveria hoje apontar o seu grupo de ministros, mas ainda não o fez e protelou esse anúncio. As pressões em Karzai são muitas - ele tem um país a colapsar-se à sua frente e um batalhão enorme de forças estrangeiras que vão tentando aguentar o país; ele tem que agradar a todos eles, para que não o deixem sozinho com os Taliban, porque o resultado seria, no mínimo, desastroso - apelos a uma escolha racional e que mostre mudança e a intenção de construir um governo eficaz surgem de todos os lados. Mas mais: Karzai, que continua envolvido numa imagem de corrupção e de eleição fraudulenta, tem que agradar à população que dirige - muita dela com uma certa animosidade relativamente aos estrangeiros que enchem as ruas e que lhes tentam dar alguma segurança, mas nem sempre com os resultados esperados; esta é uma sociedade massacrada e sofrida nas últimas décadas e essas feridas continuam por sarar.

Não concordo totalmente com a opinião de Richard Beeston, colunista do Times Online, mas reconheço que ele tem, em parte, uma grande razão. Falha, porque o problema é, actualmente, ainda mais do que isso; poderia ter sido visto nessa perspectiva há uns anos, mas agora ultrapassa-a. Ele diz:


É parte da verdade; a outra parte reside nos militares e civis que tentam assegurar no Afeganistão as condições para que isto seja possível e sem os quais a premissa do senhor não tem possibilidade de singrar.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Muçulmanos na Europa

Porque nada que acontece no mundo acontece desconectado entre si, numa altura em que se luta contra grupos islâmicos radicais na Ásia Central, discutem-se os direitos e a inclusão/integração dos muçulmanos na Europa.


O Jornal Público on-line de hoje refere um estudo efectuado em 11 cidades da Europa, nenhuma portuguesa, sobre o fenómeno da discriminação deste grupo no seio de sociedades de base judaico-cristã. Segundo esta notícia, num momento em que esta discussão foi trazida para a agenda mediática através do referndo sobre os minaretes na Suíça, que os analistas consideram ser apenas um sinal de uma tendênciavisível por toda a sociedade europeia, o relatório desmentiu três mitos: "Primeiro, que os muçulmanos não se querem integrar. Segundo, que as necessidades dos muçulmanos são diferentes. Terceiro, que os muçulmanos não se envolvem na vida política e cívica."

E se cresceram as experiências de discriminação, também é verdade que a preocupação com a integração dos muçulmanos também se consolidou. É igualmente feito um paralelismo com a Europa dos anos 30, onde um país encorajava a discriminação, na altura contra os judeus; actualmente, vivendo-se um período de crise, a sempre debatida questão dos bodes expiatórios surge com força.

Continuo a achar difícil de digerir situações como esta, onde a emotividade irracional e o medo do outro, na sua diferença e no desconhecido que ele constitui, orientam todo comportomanto de vários indivíduos, incapazes de analisar a questão com a clareza, a objectividade e racionalidade que se impõem. A integração é perfeitamente possível e a Europa devia ser o continente da tolerância e da abertura, depois de ter passado por tantas experiências que a marcaram e que deveriam ter servido como exemplo.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O esforço Aliado e a estratégia para o Afeganistão

Os aliados da NATO concordaram, em reunião, enviar mais 7000 tropas para o Afeganistão. Mais dois mil do que o anunciado em dias anteriores e, por isso, uma surpresa. Vários tinham sido os países que haviam prometido esse reforço, como referi num post anterior, desde o Reino Unido, a Polónia, a Itália, à Geórgia, à Coreia do Sul, à Espanha, Eslovénia e Portugal, para nomear alguns.


A França e a Alemanha, num claro eixo Paris-Berlim que me parece cada vez mais sólido, ainda não se comprometeram com mais tropas, mesmo apesar da insistência de Clinton. Estes dois países, apesar de terem já no terreno uma presença bastante numerosa, estão juntos desde a nega que deram a Bush aquando da invasão do Iraque. O pacifismo alemão e a não internvenção francesa caminham lado a lado nos últimos anos, apesar de ser histórica a, em mudança, pouca amizade entre ambos.

Serão estes números suficientes? Estarão os Aliados a cometer um erro reforçando a sua intervenção naquele cenário bélico? Pessoalmente, penso que não. O tempo irá trazer os resultados da nova estratégia: a ideia é derrotar de vez os grupos terroristas islâmicos, mas não me parece ter sido uma posição sensata Obama ter tornado pública a data, ainda que provisória e dependente de várias condições, da retirada americana. Isso dará alento aos terroristas para aguardarem, com paciência, até que os seus inimigos desistam. De lembrar que a URSS teve dez anos no Afeganistão, com um contingente que ultrapassava os 100 000 elementos e, mesmo assim, perdeu a guerra...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Islamismo radical somali


A questão do Islamismo radical origina cada vez mais preocupações por todo o mundo. O ataque bombista suicida a um hotel em Mogadíscio, capital da Somália, que resultou em várias mortes, de entre as quais as de três Ministros, revela isso mesmo.

O governo somali controla apenas uma muito pequena parte do território sobre o qual era suposto exercer a sua soberania. E, pelos vistos, mesmo nessa pequena área, mais precisamente a cerca de 1km da base militar da União Africana que está presente no país, é de grande insegurança.

Os islamistas somali, cujas ligações a grupos terroristas muçulmanos parecem cada vez mais evidentes, têm feito sentir a sua presença de forma muito regular. Desta vez conseguiram abater alguns alvos do seu inimigo número um: o governo somali apoiado pela ONU, que querem derrubar.

A situação na Somália é um dos exemplos mais flagrantes da disseminação das teias terroristas islâmicas por todo o mundo, especialmente em África, que é um continente muito propício à adesão de massas a grupos do género que prometem alterações nas miseráveis condições de vida dos habitantes. A guerra no Afeganistão está, em última análise, ligada a este fenómeno e, por isso, para mim, torna-se cada vez mais premente a derrota dos taliban naquele que é o seu núcleo duro, para evitarmos tragédias como estas.

(Portugal também vai reforçar a sua presença com 150 militares no Afeganistão.)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A nova estratégia

Obama fez ontem o seu discurso sobre a nova estratégia que os EUA vão adoptar para o Afeganistão.

Precisamente na tentativa de eliminar o núcleo duro da al-Qaeda que se encontra no Afegenistão e para evitar que estes se apoderem, entretanto, de armas de destruição em massa, o Presidente Obama vai reforçar, como previsto, o contingente militar americano com mais 30 000 homens (e mulheres) para servir naquele país da Ásia Central. Simultaneamente, apelou a que outros parceiros da NATO fizessem o mesmo, obtendo respostas divergentes: se a França e a Alemanha ponderam esse reforço, já a Espanha, e Itália e o Reino Unido se mostraram disponíveis para apoiar os EUA nesta nova tentativa de derrota dos terroristas islâmicos. A retirada está marcada, provisoriamente e dependendo de vários outros factores, para 2011.

Será esta medida suficiente? Qual o valor que se deve dar à opinião pública em matérias tão sérias e consequentes como esta? 6 em cada 10 democratas estão contra Obama; 6 em cada 10 republicanos estão a favor; a opinião pública está cansada desta missão; deveria Obama ter ouvido a sua população em vez dos seus conselheiros? Estará Obama a trair os seus eleitores? Conseguirão mesmo os Aliados destruir a al-Qaeda e evitar que o Afeganistão/Paquistão se tornen Estados falhados? São muitas as perguntas que me causam algum desconforto face a esta questão, que implica uma grande reflexão. O que seria do mundo se bin Laden alcançasse o urânio enriquecido que há tantos anos procura? Não será esta uma questão com que a comunidade internacional deveria lidar com mais cuidado ou deveria deixar a Ásia entregue à sua sorte? Até que ponto temos o direito de intervir? E até que ponto temos os dever de o fazer? Os islâmicos não gostam do Ocidente nem o toleram; o Ocidente parece-me, apesar de tudo, menos feroz. Será isto o verdadeiro "choque de civilizações" de Huntington? Para onde caminha o nosso mundo?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

América Latina

Precisamente pela altura em que os líderes ibero-americanos estão em Portugal para uma cibeira conjunta, novas informações chegam da América Latina - e algumas pouco animadoras, pelo que me parece.


As eleições nas Honduras, que estão numa profunda crise política há meses, tiveram como resultado uma confortável vitória do candidato conservador. Os EUA vão felicitar o novo Presidente hondurenho; já os países des esquerda daquele mesmo continente acusam de fraude todo o processo, que dizem ter sido montado por aqueles que expulsaram Zelaya do país no golpe de Estado. Apesar do outro candidato ter reconhecido a sua derrota, não me parece que as coisas comecem a acalmar nas Honduras. O que vai ser de Zelaya? Continuará ele na Embaixada brasileira? Como reagirão os seus apoiantes internos e os países vizinhos que claramente estão do seu lado?



Um pouco mais a Sul, no Uruguai, mais um candidato se proclama vencedor: na segunda volta das eleições, Jose Mujica venceu o sufrágio presidencial. Este senhor tem, segundo o jornal Público, um passado radical e era um antigo guerrilheiro. Contudo, promete deixar para trás essas tendências e governar na mesma linha que o seu antecessor, que trouxe grande estabilidade para o país, e na de Lula da Silva, que considera "o líder da esquerda moderada na América Latina". Parece-me bem encaminhado.



Para terminar, outra notícia, do Público e do Times, que dá conta de um grupo de argentinos que andam a angariar assinaturas para propor Fidel Castro... ... a Nobel da Paz de 2010! Dizem que é pelas evoluções alcançadas em termos de educação e saúde naquele país durante o seu governo; cá para mim, são ciúmes de Obama e de não quererem ficar para trás; ou como agora se sabe que com a Raúl Castro a repressão aumentou, então têm saudades e acham que o senhor até um Nobel merecia. Atrás de mim virá...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As torres da discórdia

Não concordo com a posição dos suíços face aos minaretes; não concordo com a consulta popular para um assunto como esse. Acho escandaloso e de uma intolerância atroz. Só veio confirmar as minhas suspeitas sobre a Suíça, um país estranho, fora de tudo, de bem com Deus e com o Diabo, mas pelo vistos não de bem com Alá.

A notícia do Público de hoje relata alguma preocupação que atravessou a Europa e da qual partilho. Não é de um Estado de Direito democrático e tolerante. Estas coisas irritam-me.

sábado, 28 de novembro de 2009

A nova Comissão


Esta semana, o Presidente da Comissão Europeia escolheu os seus colaboradores e divulgou-os à comunidade. Algumas das previsões que fiz num dos artigos anteriores estavam certas – só me passou ligeiramente ao lado a da Alemanha.

Assim sendo, a França lá ficou com a importante pasta do Comércio Interno, a Alemanha não ficou com a da Indústria, que calhou a um italiano, mas com a da Energia (não tão importante, mas ainda assim com algum relevo); Olli Rehn, o sueco responsável pelo alargamento, passou para os Assuntos Económicos e Financeiros, ficando a, para mim, também crucial pasta do Alargamento para um checo.

A Vice-Presidente, e responsável pela Política Externa, é a baronesa Catherine Ashton (eu não resisto em chamar-lhe baronesa…), que continua a dar controvérsia e a prometer que nos vai orgulhar. A nós, não sei; mas a Barroso vai, de certeza…

Tomarão posse logo após o Parlamento Europeu, talvez ainda em Janeiro do ano que vem. Continuarei a acompanhar com cuidado as notícias vindas de Bruxelas para avaliarmos o desempenho da nova equipa de Durão Barroso e, já agora, os efeitos do sebastiânico Tratado de Lisboa.

Afeganistão

O Afeganistão tem estado na agenda mediática internacional. E então a partir da próxima Terça-feira, com o anúncio, já esperado, de Barack Obama, é que as referências a este país da Ásia Central vão disparar. No meu artigo de hoje, gostava só de fazer referência a uma questão histórica que considero fundamental para a análise de qualquer fenómeno afegão actual – é este recurso à interdisciplinaridade que enriquece o conhecimento da realidade.

A população afegã é uma população massacrada pela guerra e pela conflitualidade. Todos os que, actualmente, têm cerca de 30 anos de idade passaram a totalidade (atenção, a totalidade!) da sua vida em guerra. Desde 1980 que o Afeganistão se encontra, quase ininterruptamente, em estado de guerra, com todas as implicações económicas, políticas e principalmente sociais que um contexto caótico desta natureza acarreta.


Muitos criticam países distantes como este pelo seu fanatismo, pela lógica anti-Ocidental ou pela instabilidade e corrupção que não conseguem controlar. Mas para uma análise destas, já para não falar de um eurocentrismo acrítico, só podem esquecer-se do “pormenor” que é a história nacional afegã.

De 1980 a 1988, no tempo da Guerra Fria, foram invadidos pela União Soviética. Seguem-se tempos de oposição entre o fundamentalismo islâmico e o comunismo que entretanto se tinha instalado no país, com a tentativa de implementar o primeiro movimento pan-islâmico transnacional, apoiado pela Arábia Saudita e pelo Paquistão.

Com a implosão da URSS, vem uma guerra interna, entre tarifas afegãs, ou seja uma guerra entre minorias étnicas dentro do próprio país. Quando este conflito se resolve, logo surge uma guerra de natureza religiosa, onde os Taliban (afegãos e paquistaneses) tentam impor um regime islâmico e fundamentalista, constituindo naquele território o seu “santuário” – na denominação do Prof. Carlos Gaspar num dos seus artigos na revista “Relações Internacionais” do IPRI.

Os Taliban sobem ao poder e logo em 2001 intervêm os Estados Unidos naquela que era uma guerra civil, apoiando, naturalmente, as forças afegãs anti-Taliban, que conseguiram, efectivamente, derrotar aqueles que governavam o país, colocando Karzai na liderança do Afeganistão.

Ora, independentemente da posição que se tenha relativamente à intervenção quer da URSS nas décadas de oitenta e noventa quer a dos EUA já no século XXI, a verdade é que, se pensarmos na população, nos indivíduos, nas famílias, nos grupos sociais, nas interacções, na socialização, etc., parece-me extremamente difícil não se compreender a adesão a extremos. Viver desde o nascimento num país constantemente em guerra não pode gerar indivíduos emocionalmente equilibrados. Há todo um conjunto de fenómenos, que se prendem com necessidades básicas de segurança e de desenvolvimento pessoal que conhecem, nestes períodos, lacunas significativas e marcantes do ponto de vista das narrativas pessoais. A transição democrática demora mais do que uma década e os milagres não acontecem numa sociedade dilacerada.

Obama dizia, em 2007, que quando alguém tem oportunidades e estabilidade, dificilmente se alia a radicalismos. Nisso, tenho que concordar. E os Taliban, por muito que incarnem uma perspectiva específica, não são, de todo, saudáveis para nenhuma indivíduo – mesmo que se seja contra o Ocidente. E a libertação do Afeganistão deste grupo (quer se o considere terrorista ou não) é, para mim, uma necessidade.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

As ciências sociais servem apenas para entreter

Para muitos pragmatistas, as Ciências Sociais não desempenharam nenhum papel de relevo na vida quotidiana das populações: os teóricos dessas áreas não descobrem medicamentos ou tratamentos, não desenvolvem técnicas para a construção de casas, pontes ou máquinas, não contribuem para a produção industrial nacional. Servem apenas para entreter e ocupar uns quanto intelectuais.


Nós, os investigadores e todos aqueles ligados a uma dessas áreas do conhecimento abrangidas pela denominação, tentamos, muitas vezes sem sucesso, contrariar estas perspectivas limitadoras e redutoras do conhecimento científico. É verdade que nenhum de nós põe em causa a importância das ditas ciências exactas e das naturais, mas também não é menos verdade que o conhecimento produzido pela Economia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Relações Internacionais, Ciências da Comunicação, etc. é fundamental quer para a competitividade de cada país, quer mesmo para o bem-estar dos indivíduos.

É claro que este meu alerta vai focar-se essencialmente nas Relações Internacionais, uma vez que é esta área que conheço melhor e que outros serão mais capazes de argumentar a favor das suas áreas. Não se trata de uma disputa entre as ciências sociais/naturais/exactas, mas apenas de estabelecer um equilíbrio justo entre todas, já que todas contribuem, usando diferentes lentes, para compreender a realidade no seu todo e complexidade.

Nas origens das Relações Internacionais enquanto disciplina académica, no período entre guerras, estava um princípio idealista que me parece convincente para a formação de um corpo teórico autónomo, que está ainda a dar os primeiros passos: era o princípio da paz. Primeiramente, as RI foram estabelecidas como apoio à decisão e como campo de estudos com vista a evitar a guerra, conhecendo as dinâmicas mundiais para atingir esse objectivo idealista, que entretanto foi ultrapassado, mas que não se pode negar enquanto fundamento inicial desta jovem ciência.

Mas regressando à questão inicial, eu gostaria apenas de apontar alguns exemplos em como as questões teóricas que muita gente pensa que discutimos por preciosismos intelectuais são muito mais do que isso. São isso, mas têm implicações práticas na vida real de muitos indivíduos.

Por exemplo, se eu considero que o sistema internacional é fechado e mecanicista (ou seja, que funciona como um relógio com várias peças que se inter-relacionam), então intervenho no Iraque para substituir a “peça que não funciona” e, como não encaro a situação como a realidade, que não passa por esta concepção mecanicista clássica, há mortes, perdas, desgaste e sofrimento, porque, na realidade, o Iraque não é uma peça, é fugidio, reage, não verga, não se deixa corrigir passivamente e dá origem à guerra. Pessoas morrem, outras ficam feridas ou com mazelas para toda a vida; pessoas sofrem o desgosto; pessoas ficam sem casas; pessoas são obrigadas a abandonar as suas casas e tornar-se refugiadas.

Se eu defino uma situação como de manutenção de paz e não faculto armamento mais forte aos soldados e eles são mortos, este pressuposto teórico teve consequências práticas; se eu encarasse aquele contexto como de guerra e, consequentemente, atribuísse o dito armamento que vai tornar os militares menos vulneráveis, diminuiria a possibilidade de morrerem. Aí voltam as minhas definições teóricas a ter uma sequência lógica na realidade.

Se eu defendo, enquanto teórico, que a forma de resolução de conflitos mais eficiente é a competição militar, com recurso à força sempre que necessário e sem mediação diplomática, eu vou dar origem a muitas guerras e conflitos desnecessários que afectarão as histórias de vida de milhares de pessoas envolvidas. Já para não falar nas consequências que levanta a alocação de recursos para uma guerra em vez de serem atribuídos à segurança social, por exemplo.

E por aí adiante, poderia enumerar muitos outros exemplos, dentro das RI, que ilustram na perfeição como estas discussões que existem entre os teóricos não são em vão ou vazias de interesse prático. Na realidade, elas podem, em última análise, salvar vidas – que é o princípio fundamental de toda a realidade. Assim, juntamente com várias outras ciências que darão os seus contributos noutras ou até mesmo nestas áreas, há um enriquecimento da humanidade e uma construção de saberes que só têm como finalidade melhorar a existência dessa mesma humanidade.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Estratégia para o Afeganistão

Certamente na próxima semana voltarei a escrever um post sobre esta situação. Mas na próxima semana, à partida, já teremos uma estratégia definida para o Afeganistão.

A questão do Afeganistão tem estado na agenda dos media internacionais, que não largam Obama até terem a resposta que eles querem ouvir: que os EUA vão reforçar a sua presença no país e que vão apelar à cooperação europeia, para não custearem sozinhos a manutenção da "ordem internacional". Efectivamente, esta é a previsão para o discurso do presidente que deverá ter lugar na próxima terça-feira.


Já há três meses que Barack Obama anda a protelar a decisão e sabe que (tal como se tem já habituado com as questões de saúde), vai ter que enfrentar um grande descontentamento, seja qual for a decisão que tomar. Agora, com todos os dados nas mãos, resta só tomá-la e anunciá-la a uma imprensa ávida de controvérsias.

Este é um tema que, por razões académicas, me interessa particularmente; daí que volte a ele brevemente, comentando a situação. Aos que me lêem, gostava só de perguntar qual acham que é a melhor estratégia para o Afeganistão? A retirada progressiva? O reforço da presença internacional? Baseado em quê? Nas eleições fraudulentas? Na segurança internacional? Na necessidade imperiosa de derrotar os taliban? É uma questão delicada. Exprimam as vossas opiniões!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Problemas por Bruxelas II


Contrariando a natureza tépida dos eleitos para os novos cargos, a temperatura começa a aquecer no que se refere à escolha dos novos comissários. França, Alemanha e Reino Unido andam à disputa pelas pastas que mais lhes interessam. Assim sendo, temos um Sarkozy a pedir o Comissariado do Mercado Interno, uma Angela Merkel a exigir o da Indústria e um Reino Unido que, não contente com o da Política Externa, não quer que o eixo Paris-Berlim, agora tão em voga, fique com o controlo das pastas mais importantes nos destinos económicos da União, o que, como sabemos, tira os ingleses do sério. Mas eles fizeram a sua escolha; sabiam do que tinham que abdicar para mandar para a arena a baronesa... Agora vão ter que aguentar. Quão cansativas são estas birras dos cockneys...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Problemas por Bruxelas

Ainda sem grandes pormenores e sem tempo para desenvolver alguma ideia, deixo aqui apenas a notícia do Süddeustche Zeitung que dá conta do bloqueio por parte do Parlamento Europeu à nova Alta Representante, exigindo-lhe que dê provas da sua competência para o lugar.

Direitos humanos na China


Para muitos, a China é o challenger dos Estados Unidos, aquela que vai fazer os americanos saltarem do poleiro. No entanto, como comentei num post anterior, há problemas conjunturais que dificultam esse possível desempenho chinês.

Um dos exemplos foi hoje noticiado pelo Jornal Público, que relata a detenção de um activista chinês, por razões e argumentos que deixam boquiaberto qualquer cidadão de uma verdadeira democracia. Fica aqui também a nota para a deputada do PCP que dizia ignorar o que se passava naquele país comunista.

Assim a China não vai conseguir vingar, pois está a acender o rastilho e a sua realidade interna é um barril de pólvora pronto a receber o impulso.

domingo, 22 de novembro de 2009

América Latina

Escrevi há uns tempos um post sobre a América Latina.

Como saberão, a instabilidade política continua nas Honduras e se dão um passo em frente para a resolução da situação, dão logo de seguida dois ou três atrás. O presidente de facto, Micheletti, decidiu suspender por uma semana o seu exercício da presidência, para promover a reflexão no país. A ONU felicitou a iniciativa, mas ainda não se sabe quem vai assegurar interinamente a liderança de um país que não pode dar-se a estes luxos.

Em Cuba, soube-se, por um relatório da Human Rights Watch, que com o irmão Castro no poder a repressão acentuou-se ainda mais, contrariando as previsões de muitos analistas para aquele país, que viam como um sinal de abertura a substituição de Fidel por Raúl.

Mas a grande novidade vem da vizinha das Honduras, a Nicarágua. A esta hora andam por lá manifestantes que são contra a recandidatura do Presidente Ortega em 2010, acusando-o de querer estabelecer uma ditadura. É mais ou menos o que se passou nas Honduras ou na Venezuela (aliás, o Presidente é muito próximo de Chavez), com os suscessivos prolongamentos dos presidentes que parecem gostar muito do lugar. Começa a ser transversal esta intenção de grande durabilidade dos lugares de governação na América Latina. Será que alguém vai fazer outro golpe de Estado, agora na Nicarágua? Veremos...

sábado, 21 de novembro de 2009

“Os BRIC são uma ficção” II


Respeito, naturalmente, a valor e a qualidade das teorias defendidas pelos vários autores apresentadas no artigo anterior. Não pretendo, de forma alguma, fazer-lhes frente por razões muito óbvias. Contudo, há algumas questões que eu considero pertinente levantar.

Os BRIC são, para mim, um grupo de países que tem apenas um aspecto em comum: o (res)surgimento das suas economias. Como são economias que estão nessa mesma fase, têm crescimentos acelerados, contrariamente ao que acontece com economias já há muito quase nos topos do seu desenvolvimento e que têm crescimentos residuais, o que se compreende facilmente. Mas tirando isso, o que há mais entre os quatro que possa uni-los? Acho que muito pouco. Realmente eles dificilmente farão parte de um grupo de aliança que possa fazer frente directamente à liderança americana, por exemplo. Brasil, Rússia, Índia, China têm interesses bastante diferentes e mesmo em termos do sistema, localizam-se em pontos muito distintos; há, para mim, muito pouco que funcione como cimento entre os quatro. É uma associação tácita e muito momentânea. Aí estou de acordo com os autores.

No entanto, penso que estar a pôr a Rússia entre esses dois extremos é muito arriscado em termos de previsões. A Rússia é uma potência nuclear, com grande capacidade de venda de armas (o que significa que tê-la como aliado é muito importante na luta contra a proliferação de armamento), além de que é, actualmente, o maior exportador mundial de gás e um dos maiores de petróleo. Não será muito limitadora essa visão de subserviente da Europa ou da China? A mim parece-me. Ainda mais depois desta reaproximação estratégica com os EUA e do tão falado "reset" nas relações entre os dois. Obama tem apostado numa política de cooperação com Medvedev e não de confrontação.

Quanto à tese das “três aranhas”, lá está, penso que falta a Rússia e que se sobrevaloriza o papel das três potências iniciais. Talvez um bocadinho mais de multilateralidade fosse enriquecer a teoria: Rússia, Índia, Brasil. E não podemos deixar de destacar desse primeiro mundo os EUA enquanto líderes desse "concerto de nações". Não sei… Arrisco eu…

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Os novos cargos II


Parece que a nova Alta Representante da UE anda a seguir o meu blogue!

Mas pondo essa hipótese de lado, por questões de humildade, e admitindo que não sou o único a não concordar com a sua escolha, imagino que Catherine Ashton tenha andado a ser bombardeada com críticas pelo seu “low international profile”, pois logo no dia a seguir à sua nomeação vem comentar essas infames posições.

Numa notícia da BBC, a Baronesa (estes títulos nobiliárquicos metem-me um bocado de impressão, ainda para mais em contextos democráticos e de instituições desta natureza) responde a todos os que não concordam com a escolha dos líderes europeus, dizendo que vai ter os próximos meses e anos para mostrar que é a pessoa certa:


Se o é ou não, damos então o benefício da dúvida e aguardamos que nos revele esse seu lado mais destemido, apesar de dizer que pautará a sua acção pela discrição. Se isso é apenas uma questão de estilo pessoal e vai realmente consolidar a U.E. no mundo, estamos aqui para ver. Pelo menos hoje mostrou alguma presença ao demarcar-se já daqueles que a criticam mesmo antes de a senhora baronesa iniciar os seus trabalhos.

Os novos cargos

Depois de tantas semanas de especulação, finalmente saiu fumo branco, não da Sistina, mas de Bruxelas.




O Presidente do Conselho, o tal número da Europa, foi uma figura escolhida pela sua habilidade em criar consensos - realmente a questão belga de há cerca de um ano foi uma prova de fogo e temos que admitir que em termos de UE a dificuldade de consensos aproxima-se muito daquela situação. Efectivamente é uma figura pacata e que não levanta grandes ondas. Tanto não levantou que em hora e meia os chefes de Estado e de Governo despacharam a coisa. Agora o problema foi mesmo esse: não levantar ondas, não ter impacto, não criar discussão. Ou por outra, criar discussão, mas por não criar discussão. Era preciso alguém com uma maior visibilidade. O sueco ou o britânico Blair tinham sido figuras que o mundo já conhecia bem; este senhor vai demorar muito tempo até ser reconhecido como uma cara da União. Ora, tal como opinei neste blogue, o papel de Presidente do Conselho dependerá do desempenho do seu primeiro ocupante; está, contudo, visto, que não será um desempenho assim tão corajoso ou audaz, mas de muita sombra e discrição. Não fico contente com esta decisão.

E também não fico contente com a decisão do Alto Representante para a Política Externa e de Segurança. A senhora trabalhista britânica. Reparem que ela não foi escolhida por mérito (quer dizer, a senhora terá muito mérito, atenção. Mas na área dela, que não é, de longe nem de perto, a política externa ou a segurança ou mesmo as lides internacionais). Ela foi escolhida, isso sim, por critérios que me deixam muito incomodado: 1. é trabalhista - os socialistas não abriam mão deste cargo para criar equilíbrio institucional e então tinham que meter alguém à pressão, depois da desistência de Miliband, do passado comunista do de Allena e da recusa de Blair; 2. é mulher - como sabemos, a corrente feminista tem crescido nas RI e nos meios políticos e, nesse sentido, havia muita pressão para que se escolhesse uma mulher por questões de paridade e daqueles princípios todos muito estranhos que olham primeiro para o sexo e depois para o mérito, numa lógica quase de quotas, vergonhosa no meu entender; 3. é britânica - França e Alemanha uniram-se contra um britânico como Presidente, na consagração do seu pacto, como afirmava um jornal espanhol. E ao escolherem um país pequeno para a presidência, tiveram que escolher um grande para o cargo e mais uma vez atendendo ao princípio do equilíbrio geográfico (já que os alemães querem também ficar com a presidência do BCE).

Muito pessoalmente, acho que há muito desequilíbrio nestes equilíbrios. Aliás, nós sabemos quem continuará a lançar as cartas e com quem falará Obama quando tiver algum problema: com cada um dos grandes da Europa e nunca com o consensual belga. Mas isso é outra conversa.

Ora, assim, a D. Catherine foi escolhida para o cargo, segundo a minha perspectiva, por estas razões e por mais nenhumas. O Sr. van Rompuy por ser sossegado e sem capacidade de dar dores de cabeça aos parceiros que tão simpaticamente o elegeram.

Como não podia deixar de ser, os portugueses já estão a organizar a celebração da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que será no Palácio de Belém, no dia 1 de Dezembro, como noticia o Público. É a nossa tradição de bons anfitriões.

(Amanhã continuo com os BRIC)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

“Os BRIC são uma ficção”

A expressão não é minha, mas de um professor de Relações Internacionais de Princeton; é retirada de uma notícia do caderno de Economia do Expresso do dia 7 de Novembro, onde é explicada esta posição de Stephan Kotkin.


Para o autor, este eixo, do Brasil, Rússia, Índia e China, não passa de um acordo temporário e de oportunidade e o acrónimo foi meramente criado pelos analistas económicos para mediatizar este grupo de países e tornar o investimento nestes destinos “menos arriscado, transformando-o em moda”. Na realidade, segundo o mesmo artigo e outros teóricos, cada um destes países “pedala a sua bicicleta” de forma muito independente e com trajectórias distintas, o que dificulta que sejam encarados como um bloco geopolítico único. Este mesmo autor sugere ainda a remoção do R do acrónimo, por considerarem a Rússia já fora de moda.

Parag Khanna prevê que a Rússia ou vai ser “um anexo da Europa ou um vassalo da China. Ou as duas coisas”. É ainda este escritor de “O Segundo Mundo” que não acredita num G2 (EUA-China), mas num mundo tripolar, que inclui a U.E., contrariando a teoria que apresentei num dos posts anteriores sobre a multipolaridade. A tese de Khana é que este é o primeiro mundo; há ainda um segundo mundo que são os países de segunda ordem que oscilam entre a influência das três potências, que as “cortejam”, como diz o autor. A diferença é que já não têm que escolher entre ideologias, como no passado, mas entre três modelos capitalistas. Os restantes são os países do conhecido terceiro mundo.

O artigo termina com uma imagem interessante: “Khana acha que o espaço do Oceano Índico vai voltar a ser (como quando os portugueses lá entraram a ferro e fogo nos idos de 1500) o mais ‘quente’ do globo.”

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Mais colonatos em Israel

A Casa Branca está consternada com Israel. Não é só a Casa Branca, mas todos os que acompanham o processo israelo-palestiniano. Pois em vez de se balançarem nesta onda de aproximação dos dois lados, israelitas e palestinianos, Israel continua a fazer birra e a construir colonatos, mesmo apesar das críticas dos seus grandes aliados, os Estados Unidos. Repare-se que Hillary Clinton tem assumido um tom mais duro com eles, o que nem assim tem surtido o efeito desejado.

Foi aprovada a construção de 900 casas num colonato em Jerusalém, assim como a demolição de casas palestinianas. Estão a ser um osso muito duro de roer. E a questão israelo-palestiniana é fundamental para o equilíbrio no Médio Oriente e, por isso mesmo, é uma das prioridades de Obama na sua política externa.

Infelizmente, está cada vez mais a tornar-se um processo complexo e de difícil resolução. Ainda para mais quando Abbas diz não voltar a recandidatar-se à Presidência da Autoridade Palestiniana.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Cyberwar

Afinal sempre é verdade que países como os Estados Unidos, a Rússia, Israel e França têm andado a desenvolver as suas capacidades em termos de "cyberwar".


O termo é pouco estudado em análises internacionais, mas vai passar a ser um tema cada vez mais central. Num artigo que escrevi sobre esta "guerra cibernética", já usada na Estónia em 2007 e na Guerra da Geórgia em 2008, inclui a opinião de um deputado russo que referia que, num futuro próximo, os guerreiros informáticos ("hackers" ou os "hactivists") vão ser ainda mais importantes que o próprio exército. Talvez o senhor russo soubesse mais do que nós...

O que é certo é que em 2008 a Rússia é suspeita de ter precedido a invasão da Geórgia com ataques cibernéticos que inviabilizaram por alguns dias a utilização de sites como o do Parlamento, do Presidente, de agências noticioasas georgianas, etc. A NATO enviou peritos em cyber-terrorismo e a situação estagnou. É esta simbiose entre ataque informático e no terreno que foi novidade no ano passado. Hoje chegou a confirmação num relatório do McAfee que os países referidos estavam a desenvolver novas estratégias nesse âmbito.

Recordo, nostalgicamente, a época em que estes ataques eram feitos através de faxes, qundo sistematicamente enviavam folhas completamente pretas para os inimigos por este meio, gastando-lhes toda a tinta e impedindo que estes recebessem aqueles que realmente seriam fundamentais...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Obama na Ásia II

Tem havido, nos últimos anos, uma corrente que defende com grande veemência a emergência da China enquanto verdadeiro challenger dos Estados Unidos; aquele seria capaz de aproveitar este momento em que os EUA não dominavam um mundo unipolar, mas onde tinham que criar coligações e amizades para atingir os seus objectivos, que é o que actualmente têm feito.

No entanto, esta visão não me parece muito viável nos moldes em que a desenvolvem. Senão vejamos: é verdade que a China tem um efectivo militar de mais de dois milhões de homens, enquanto que os EUA contam apenas com 1,36; a China tem a maior população mundial e um dos maiores territórios. Poderia parecer sintomático. Há, todavia, uma séries de outros factores que contrariam esta visão.

A China tem uma população com frequentes motins internos, que nem com o controlo apertado (para ser simpático) conseguem conter – Xinjang é um exemplo recente. Ela tem que, sistematicamente, lutar e despender muitos recursos para manter o país unido, atendendo a situações como essas. A violação constante dos direitos humanos, o descontentamento social, as enormes diferenças sociais, uma litoralização crescente, a concentração urbana desmesurada, etc. são questões que têm que ser tidas em conta. Nenhum país pode liderar a comunidade internacional quando tem no Norte do seu território um problema gravíssimo de água, que muito brevemente irá afectar 300 milhões de pessoas. Além disso, tem ainda questões como o Tibete, que não consegue definir claramente, nem com o uso da força contra os monges; ou ainda mais vergonhosa a situação de Taiwan (aquela imensa ilha!), que não consegue recuperar.

Dizem ainda que a China é uma grande potência económica e capaz de fazer frente à economia americana. Não posso desenvolver muito aqui, pela sua extensão, argumentos para o contradizer, mas tal como o professor Carlos Gaspar ironizava no outro dia, ser a “fábrica de sapatos de plástico do mundo” não é propriamente o mesmo do que produzir sistemas avançados de telecomunicações entre aviões, por exemplo.

Serem os credores dos Estados Unidos também não chega, uma vez que se estes fecharem as suas portas às importações chinesas, o país tem que abrandar nas suas exportações. Há uma teia de dependências que não pode ser analisada apenas por estas questões dos títulos do tesouro que muita gente vem denunciando nos últimos tempos. Como afirmava Hillary Clinton, nisto da crise, ou caíam os dois ou recuperavam os dois.

E combater a crise construindo infra-estruturas básicas, como pontes e estradas (como faz a China, à semelhança dos EUA no pós-I Guerra Mundial), não é o mesmo que apostar na inovação tecnológica.

Estas são questões, que podem parecer menores, fazem toda a diferença. Na verdade, a China tem um poder crescente, mas tem igualmente uma situação muito delicada que tem que ser analisada com mais cuidado (muito mais ainda do que o fiz aqui) para perceber a sua dinâmica. Por enquanto, nem os Estados Unidos podem actuar sozinhos, nem nenhum outro país pode actuar sem os Estados Unidos, como afirmou, perspicazmente, o seu presidente.