terça-feira, 30 de março de 2010

Em pontas...

Como escrevi ontem, as relações transatlânticas baseiam-se num pedinchar europeu por um estatuto que não conseguem alcançar sem a aprovação da Casa Branca. Washington diz que tem uma relação muito especial com a Europa, mas quando esta coloca um entrave não pensa duas vezes em formar coligações diferentes, seja com quem for - são as famosas coligações da vontade americanas que vimos no Iraque.

Ontem li ainda mais uma notícia que focava as relações transatlânticas e a Europa em si. Uma era sobre a recepção do casal Bruni-Sarkozy pelo casal Obama. Achei engraçadas algumas informações adiantadas na notícia: 1. o jantar seria na residência do Presidente e não um jantar de Estado, demonstrando uma grande ligação amistosa entre ambos os líderes; 2. a recepção não poderia vir numa altura melhor, depois do desastre das eleições francesas para Sarkozy, uma vez que a sua popularidade nunca esteve tão baixa e, passo a citar, "É possível que o seu nível de popularidade melhore, quando os franceses virem imagens do seu Presidente a apertar a mão a Obama.". 3. Sarkozy pedirá a Obama que trabalhe com a Europa: que coopere em termos militares, financeiros, ambientais, etc.

Ora, resumindo, uma imagem vale mais que mil palavras e é o caso: repare-se na fotografia abaixo. O mesmo sentimento de inferioridade de Sarkozy em termos da sua altura, o que o faz constantemente andar em bicos de pés, é o mesmo sentimento de castração dos europeus no geral em relação à América. Os EUA detêm a influência que outrora ia rodando entre países exclusivamente europeus: França, Alemanha, Reino Unido... E isso deixa marcas. O Reino Unido não se importa de ser o "second best" para ter um lugarzinho de especial relevo nas relações com Washington e será que o tem mesmo? O nível de popularidade de Sarkozy aumentará se ele apertar a mão a Obama? Um jantar na residência oficial demonstra grande amizade? Será Sarkozy o primeiro a lá estar?

A Europa dirige-se aos EUA com reverência, pedindo, implorando para que estes lhes atribuam o estatuto que almejam os europeus.

E tudo se resume a isso: pequeninos, em pontas dos pés...


segunda-feira, 29 de março de 2010

Relações Transatlânticas

Quando pensava num tema para a minha tese, ponderei muito seriamente o papel da UE enquanto actor global e as relações transatlânticas. Acabei por desistir do projecto, por vários motivos, e foquei-me (ou estou a focar-me) numa outra versão desse mesmo tema de genérica.

Hoje, há uma notícia do NYT (cuja versão on-line a partir de Outubro será paga...) que nos fala de uma conferência em Bruxelas onde essas mesmas relações EUA-UE foram discutidas. Ouve-se a opinião de Barroso, de Van Rompuy, de Ashton (do lado europeu) e, do lado americano, uns recados de Obama, de Gates e de Clinton, nenhum presente na conferência.

Os europeus falavam, essencialmente, da necessidade de dar uma nova forma às relações transatlânticas, quase numa atitude de pedir esmola aos americanos que tivessem em conta a sua opinião sempre, de forma concertada, e não apenas quando dava jeito. Os europeus querem ter um relacionamento privilegiado com um país que diz ter relações privilegiadas com quase todos os outros: pois Merkel foi a Washington e Obama falou de quão especiais eram as relações com Berlim, o mesmo se passando com Gordon Brown, Sarkozy, Netanyahu, etc etc. Os americanos, em Bruxelas, voltaram a dizer o mesmo, que sim senhor, terão muito em conta as preocupações europeias e cooperarão..

Há, claramente, um desequilibrio entre as duas potências, desde logo porque uma é um país forte, influente e uno, enquanto que a outra é uma amalgama de países, de capitais, de visões, de perspectivas, sem voz comum, sem um número de telefone, mesmo depois do Tratado de Lisboa. Obama adiou, como se sabe, uma cimeira UE-EUA, que enfureceu muitos europeus, mas que apenas reflecte o facto de o velho continente não ser propriamente uma das prioridades de Washington. No artigo, lia-se:




A Europa está, para o mundo, assim quase que adormecida. Vai-se ouvindo alguma coisa, intervém aqui e ali, está presente em vários cenários, é importante é muitos sítios do mundo que dependem da sua ajuda económica, humanitária e militar, contribui para a transição democrática de algumas regiões, mas, no limite, não é um actor global que se possa dizer fortemente influente, cuja palavra é indubitavelmente ouvida, cuja posição é sempre tida em conta, até porque a política externa europeia é quase sempre o reflexo da americana. Repare-se que em 2003 quando não o foi, por causa do Iraque, o resultado passou por uma longa crise entre os dois blocos...

domingo, 28 de março de 2010

Algumas notícias...

Algumas notícias que me chamaram a atenção...



Sanções ou não


As sanções contra o Irão dividem a opinião pública e a comunidade internacional. Na verdade, Obama tem lutado por conseguir aquilo que Bush nunca conseguiu: a unanimidade dos líderes internacionais na aprovação de sanções contra um Irão supostamente nuclear e desrespeitador das normas de Tratados internacionais que o próprio assinou e que pode pôr em causa a segurança do mundo. No entanto, a sua tarefa tem sido muito difícil, como se esperava e como qualquer tentativa de unir "todo" o mundo numa questão tão delicada como esta.

Há interesses nacionais por detrás das decisões em política externa e uma lógica de alianças, amizades e afinifades contra as quais é muito difícil lutar. A Rússia era um primeiro obstáculo, mas que facilmente foi ultrapassado (apesar das ligações a Ahmadinejad, Medvedev não pretente, de longe, um Irão nuclear que desestabilize alguns equilíbrios do Médio Oriente, logo ali às suas portas).

A China continua a ser outro obstáculo: interesses económicos, afinidades com o regime de Teerão,... Enfim, uma série de factores e contextos que apresentei já aqui.

Agora, a nova dor de cabeça de Obama não é um peso pesado como a Rússia e a China, mas não deixa de ser um membro da NATO e uma potência regional, se assim a podemos considerar: a Turquia. Defensora de uma diplomacia menos violenta contra o Irão, é um obstáculo a sanções, dizendo que aquele país tem boas intenções, além de estar interessado no diálogo. Erdogan defende o carácter pacífico do programa nuclear iraniano e acusa certos países de usarem medidas diferentes para um mesmo problema. Claramente ao lado do Irão. O Ocidente não reagiu com grande simpatia a esta posição turca e as relações azedaram.

sábado, 27 de março de 2010

Notícias do mundo

Três notícias estão a marcar a actualidade internacional:

1. Um navio sul-coreano que se afundou e que alguns ponderam a hipótese de ataca da Coreia do Norte. As autoridades têm afastado esse cenário, o que deixa todos bem mais descansados. O afundamento de um barco da Coreia do Sul em zona fronteiriça entre os dois países podia bem dar origem a um conflito armado...

2. Israel continua firme na sua decisão de construir colonatos em Jerusalém Ocidental, apesar do balde de água fria que foi a visita a Washington. Conta-se que Barack Obama deixou o Premier israelita sozinho na Casa Branca e que não jantou com ele. Parece um caso de espionagem bem ao modo da Guerra Fria: diz-se ainda que a comitiva israelita suspeitava que a linha telefónica que estava à sua disposição estava a ser alvo de escutas e acabou por comunicar com Israel a partir da Embaixada. Se é verdade ou não, ainda não se sabe ao certo. Mas o que quer que tenha acontecido não foi suficientemente grave para que Netanyahu tenha mudado a sua posição quanto aos colonatos - uma posição unilateral e completamente anti-pacífica, apesar de dizer-se com vontade de continuar as conversações de paz.

3. Foi declarada vitória no Iraque por um xiita laico, Allawi, apesar do derrotado não reconhecer a sua condição. A comissão eleitoral não deixou margem para erros e afirmou que Allawi tinha vencido o sufrágio, apesar de não ter sido o favorito durante a campanha. A situação alterou-se e agora uma grande questão permanece no ar: como conseguirá ele formar um governo e garantir a estabilidade necessária para a retirada de praticamente todas as tropas americanas até Agosto próximo?

sexta-feira, 26 de março de 2010

O novo Tratado: relações EUA-Rússia e desnuclearização do mundo


Depois de algumas dúvidas, avanços e recuos, parece que os Estados Unidos e a Rússia chegaram a um entendimento quanto ao novo Tratado. Centenas de armas nucleares vão ser destruídas nos dois países, que continuam a ter um enorme arsenal deste tipo de armamento. No entanto, mais importante do que a quantidade de armas que serão destruídas são estes sinais evidentes de uma parceria mais sólida entre os dois antigos adversários da Guerra Fria.

Obama e Medvedev, logo desde o reset das relações entre ambos promovido pelos seus responsáveis pela Política Externa, têm ultrapassado divergências importantes e com cedências dos dois lados têm conseguido caminhar juntos em situações específicas, como é o caso da questão nuclear, energética e do Irão.

Para além do significado destas relações, a eventual assinatura do Tratado sucessor pode desempenhar um papel importante nos encontros internacionais que vão decorrer sobre o problema do nuclear e da segurança internacional, onde Obama tentará convencer todos os líderes da premência de um mundo sem armas nucleares.

Criticado por alguns por ser um tratado pouco abicioso, pelo menos tem o mérito de contribuir para estes dois pontos importantes nas Relações Internacionais.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Berlusconi

E vai mais uma notícia para o rol do tão mediático Primeiro-Ministro italiano:


A este propósito, podem também ler o post do Pedro Fragoso no Tijolo com Tijolo

A poupança de Chávez

Chávez é um homem poupado. Não em sensatez, está mais do que visto, mas em energia. A sua Venezuela está a atravessar uma altura complicada e nem as enormes receitas do petróleo conseguem pôr o país numa rota de desenvolvimento, onde a corrupção ganha cada vez mais força.

Numa das suas ideias bizarras a que já nos habituou, o Presidente da Venezuela decretou mais três dias de feriado na semana da Páscoa para poupar energia. Já tinha cortado energia em Caracas, a várias empresas e agora foi a vez de criar feriados para combater a crise energética vivida pelo país.

Ainda de destacar o casaquinho fotografado na imagem do Público. Ele nem se preocupa com as eleições de Setembro.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Coragem Trabalhista

David Miliband, Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, numa visita à China recentemente, foi suficientemente corajoso para pôr o dedo na ferida e levantou a questão dos Direitos Humanos no gigante asiático. Repare-se que raramente algum líder o faz, uma vez que têm plena consciência dos efeitos práticos (materiais) que uma tal oposição poderia levantar. No entanto, o chefe da diplomacia do Reino Unido teve a audácia de tocar no assunto e de demonstrar que a comunidade internacional (ou pelo menos parte dela) está realmente preocupada com alguns actos cometidos no território chinês, referindo-se mais em especial a Gao Zhisheng, um advogado proposto para o Prémio Nobel conhecido por ter defendido os cristãos clandestinos e que está desaparecido há mais de um ano.
Um dos ministros chinês disse que esse diálogo sobre direitos humanos poderia existir entre os dois países, mas fez a salvaguarda do costume: desde que baseado no respeito mútuo e na não ingerência. Muitas vezes, criticar Pequim é já ingerência em assuntos internos. Cosmeticamente disfarçado, mas pelo menos o tema não foi esquecido.

terça-feira, 23 de março de 2010

Afinal isto é diplomacia…


«Dizia Moshe Dayan, antigo ministro da Defesa de Israel: "Os americanos dão-nos dinheiro, armas e conselhos. Nós ficamos com o dinheiro e as armas, mas não com os conselhos."» (In Público, 17 de Março de 2010)

O cunhado de Netanyahu acusou ainda Obama de ser anti-semita. O Primeiro-Ministro israelita afastou-se tais comentários e disse estar a fazer tudo por tudo para melhorar as relações com os Estados Unidos, aliviando a tensão. Os colonatos são o ponto central. Esperemos para ver se chegam tão longe…

O quarteto (EUA, Rússia, UE e ONU) que está por detrás das negociações de paz também exige o congelamento das construções.

Emprego - Relações Internacionais!!

No link em baixo estão disponíveis as informações relativas a a um emprego na área das Relações Internacionais no Porto. Interessados, aproveitem!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Ao ponto a que chegou a política italiana

Quando outro dia um professor me dizia que contava com a reeleição de Berlusconi, eu franzi o sobrolho. Como seria possível, depois de tantos escândalos sexuais, políticos, judiciais, etc. um primeiro-ministro conseguir ser reeleito?! Uma esquerda desunida é uma das razões, uma direita muito forte e economicamente muito presente será outra. Mas não podemos ignorar uma terceira – a natureza dos italianos.

Não sou muito apologista deste tipo de relações de causalidade, mas é a única forma de conseguir explicar este apoio a Berlusconi. Quando eu pensava que o autor do ataque da estatueta contra o Primeiro-Ministro italiano ia ser tratado como um herói nacional, eis que quase foi crucificado por magoar o pai da nação.

E o mais ridículo de toda esta história é narrado numa notícia do Público, da qual retirei alguns excertos aqui apresentados:

«Há mensagens de histeria e muitas lágrimas e em todas se implora ao primeiro-ministro italiano para perseverar depois do ataque que sofreu o ano passado. Estão reunidas num livro que acaba de chegar às livrarias: como outros livros sobre a vida de Silvio Berlusconi, é lançado em plena campanha eleitoral, desta feita para as eleições regionais de dia 28 de Março.

O livro, da editora Mondadori, de que Berlusconi é proprietário reúne 50 mil mensagens de apoio sob o título “O amor vence sempre à inveja e ao ódio”, uma frase próxima de várias que o Cavaliere disse em Dezembro, quando, após meses de escândalos judiciais e polémicas sobre a sua vida privada, foi atingido na cabeça com uma estátua durante um comício.

Há mensagens de toda a Itália, mas também do Vietname. Algumas são de desafio: “Mostra-lhes que és indestrutível”. Outras são desesperadas: “Imploramos-te, não nos abandones e se puderes faz um clone de ti”. Também há descrições de histeria: “Ao ver-te coberto de sangue, a minha mulher puxou o cabelo e soluçou enquanto gritava ‘Nossa Senhora, salva o Silvio”, escreveu Carlo F. “Primeiro-ministro, estamos à beira do precipício, só tu nos podes salvar e garantir um futuro aos nossos netos. Vamos rezar todos os dias”, prometeu outro italiano.

Muitos escreveram mensagens onde comparam Berlusconi a um membro das suas famílias, como ele sempre quis que os italianos o vissem. “Sofro como se tivesse sido atingido o meu pai.”»

Sem comentários…

sábado, 20 de março de 2010

E a resposta é… Não!


A minha resposta para o artigo anterior é não: Israel não está minimamente interessado num processo de paz e num regresso aos mapas do século passado. Vários motivos assim sem passar muito tempo a pensar no assunto:

1. Israel está, geográfica e “fronteiriçamente”, bem. Quer os palestinianos longe e não cede um milímetro de território;

2. Independentemente do que faça, terá sempre a protecção dos Estados Unidos (veja-se a lata com que anunciou as novas construções em pleno processo de conversações de paz e os discursos dos responsáveis americanos);

3. Nunca se ouviu, pelo menos recentemente, a palavra “sanções” contra Israel e note-se que esta construção da qual não quer abdicar será em território anexado na década de 60 e ilegal à luz do Direito Internacional;


4. Israel vai construindo os colonatos que quer sem ninguém o aborrecer muito por isso;


5. Apesar da revolta palestiniana, dificilmente serão uma ameaça à integridade e segurança israelitas;


6. Israel é um Estado que se “suspeita” nuclear – não tem medo que lhe façam frente;

7. O actual equilíbrio no Médio Oriente está do seu agrado e tem outros problemas com os quais se importa mais, nomeadamente o ódio ao Irão e ao seu programa nuclear, que pode, qualquer dia, dar em ataque.

E penso que estas razões são mais que suficientes para compreender a minha dúvida relativamente ao empenhamento do país no processo que é tão importante para a região como para a política externa da Administração Obama.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Não fui eu que disse...


A senhora tem pela frente provas dignas da viagem de Ulisses..

Será que Israel quer verdadeiramente ir a algum lado?

Eu continuo a dizer, muito pouco científica e profissionalmente, mas em jeito de desabafo, que Israel é um dos meninos mimados do Médio Oriente. Sempre com as costas protegidas pelo seu grande aliado americano, faz-me quase lembrar aqueles miúdos mimados a quem os pais fazem todas as vontades, mesmo tendo consciência daquilo que estão a criar e que pode vir a rebelar-se contra eles um dia.

Jerusalém tem sido palco de conflitos e do agravamento das tensões na questão israelo-palestiniana. O anúncio dos colonatos aquando da visita de Joe Biden ao país enfureceu a Administração Obama, que tanto apostava, durante a campanha, para uma pacificação da região, mas que se vê envolvida num conflito que não consegue, de todo, resolver. Curiosamente, e apesar de toda esta fúria americana, que até levou ao adiamento da visita de responsáveis dos EUA ao Médio Oriente, Hillary Clinton vem afirmar peremptoriamente que não há crise diplomática alguma com Israel e que os laços entre estes dois países são inquebráveis.

Laços inquebráveis? Em Política Externa? Em primeiro lugar, na política, nada é inquebrável, como comprova a nossa experiência. Amigos de hoje são inimigos de amanhã – veja-se o caso dos Taliban e a sua relação com Washington. Em segundo lugar, compreendo os interesses estratégicos de um aliado como Israel naquele ponto do mundo. No entanto, não será demasiado falar em laços inquebráveis? Ninguém vai puxar as orelhas a Israel?

Abbas já disse não negociar com os israelitas enquanto a construção dos colonatos não fosse suspensa; os EUA e toda a comunidade internacional criticam tal política; o processo de paz está cada vez mais difícil e inviável, apesar da aparente boa vontade dos palestinianos que aceitaram sentar-se à mesa das negociações, mesmo apesar da pouca vontade da outra parte.

Os Estados Unidos, enquanto promotores da democracia e da paz pelo mundo deveriam ter uma posição mais objectiva e fazer perceber aos seus aliados que assim não se vai a lado nenhum. O problema é mesmo esse: será que Israel quer ir a algum lado?

quinta-feira, 18 de março de 2010

A Prova dos Nove no Médio Oriente

Regressando o Médio Oriente, a questão aproxima-se agora ainda mais dos nossos interesses, desta feita enquanto europeus. A Alta Representante para a Política Externa da União Europeia, sobre a qual já escrevi algumas coisas aqui, ao contrário dos parceiros americanos, decidiu não protelar a sua visita ao Médio Oriente com vista às hipotéticas conversações de paz naquela região a visitas a outros países próximos.

Para os mais distraídos, vão aqui as minhas dicas quanto ao significado deste acto para além de tudo o que possa significar em termos regionais: a visita de Catherine Ashton, em primeiro lugar, não seguiu, como de costume, os passos dos americanos. Os EUA adiaram a visita diplomática, mas a UE, contrariando essa constante tendência de seguir cegamente tudo aquilo que a diplomacia americana faz, manteve o seu plano. E inteligentemente: para mim, numa altura em que a ferida está novamente mais aberta, é crucial a presença de entidades estrangeiras que se interessam pelo processo (e mesmo que não se interessassem, estão até às orelhas metidas nele…), uma vez que a pressão diplomática pode ajudar a refrear os ânimos. Um ponto positivo desde logo. Por outro lado, esta visita é muitíssimo importante em termos internos – Catherine Ashton não foi ao Hiti (que eu me lembre), foi a Washington mas ninguém deu por ela (apesar da força das relações transatlânticas), faltou a uma reunião importante sobre Defesa e o Tratado de Lisboa para dar os parabéns ao novo Presidente ucraniano, as suas competências foram e continuam a ser muito contestadas, especialmente por eurodeputados, …

Enfim, uma prova dos nove, eu diria. Estaremos cá (e os eurodeputados estarão lá) para avaliar esta prova, desejosos de que a União Europeia marque a sua presença num momento chave e de que tenha alguns efeitos, consolidando internacionalmente a muito frágil imagem europeia enquanto potência global.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Um bocadinho de Afeganistão... (II)

(Mais um excerto de trabalho pessoal.)

«O Afeganistão vivia, na década de 90, uma profunda crise de identidade, política e de valores, já para não falar da económica. As bases estavam, assim, lançadas para esse “revivalismo” de que Maria do Céu Pinto fala. Assim, há um grupo que usa este elemento unificador da identidade afegã e a partilha de uma História comum para promover os seus ideais: “80 anos de humilhação” é a frase que Bin Laden usa para resumir a história dos muçulmanos desde século XX. (Idem: 46) É um sentimento anti-americano que emerge como bode expiatório desta concepção histórica, juntando uma população frustrada em torno de um ódio comum.

A insatisfação com o status quo, um líder carismático e experiente e princípios orientadores (Marsden, 2002: 82) foram os ingredientes necessários para o nascimento de um movimento popular que assume uma forma puritana e o recurso à força para libertar o mundo muçulmano das mãos dos opressores ocidentais. De grupo espontâneo formado em Kandahar em 1994, composto por estudantes religiosos que queriam parar a corrupção inspirados no Islão e apoiado pelos EUA, o Paquistão e a Arábia, rapidamente começam a tomar cidades e a impor, cegamente, a lei e a ordem, num país que havia perdido o norte. (Idem: 65-68) Eles eram, então, o símbolo da paz e da segurança, ainda que relativa, de Kandahar, uma vez que punham fim às lutas entre grupos tribais, que desarmaram a população e abriram estradas. (Rashid, 2001: 23)

Este grupo, chamado de Talibã (ou Taliban), aqueles que estudam o livro, apoiado pela maioria pachtun, defendia uma interpretação extrema da Sharia e, ao tomarem uma cidade, aplicavam lá rigorosíssimos decretos. (Idem: 24; Marsden, 2002: 68) Nestes, eles incluam códigos de vestuário, conduta, educação, oração, proibição de entretenimento, papel e especificidades da mulher, etc. Numa aparição quase messiânica de salvamento dos afegãos, os Taliban gozavam de uma grande popularidade e movimentaram-se rapidamente pelo território, tendo enfrentado maiores dificuldades em Cabul. O rigoroso inverno de 1995/96 facilitou a tomada da capital e, sem um tiro, apenas com o descontentamento de uma população com fome e frio, entraram na cidade e enforcaram publicamente Najibullah e o seu irmão – estava construída a imagem de invencibilidade dos Taliban, assim como o sentimento de salvação. (Idem: 68-72)

No entanto, após a tomada de poder, houve um retrocesso económico no Afeganistão, acompanhado por uma fuga de grandes massas para o Paquistão em resposta às restrições taliban e por uma inconsistência na prossecução das políticas quer interna quer externa. Apesar deste cenário, o Paquistão reconheceu o governo taliban e alguns outros lhe seguiram, mesmo apesar deste grupo enfrentar sérias dificuldades no norte do país, onde a “Aliança do Norte” consegue detê-lo, provocando o pânico da insurreição contra o novo governo. (Idem: 73-78) Repare-se que não foi uma coincidência esta fraca adesão aos Taliban no norte do país, pois esta zona era mais tranquila e não viram a sua chegada como uma salvação, muito pelo contrário.

E, assim, neste contexto de instabilidade e de lutas internas, acontecem os ataques terroristas aos EUA, em Setembro de 2001, que desviam a atenção dos Taliban para outros assuntos, como a sua protecção face ao exterior, uma vez que a al-Qaeda, a organização internacional terrorista islâmica autora dos ataques, estava sediada no Afeganistão e era protegida pelo governo afegão. (Vaïsse, 2005: 278) »

terça-feira, 16 de março de 2010

Um bocadinho de Afeganistão... (I)

(Para reflectir, alguns excertos de um trabalho que fiz sobre a Guerra do Afeganistão.)

«Com Gorbatchev e os Acordos de Genebra de 1988, a guerra termina no Afeganistão. Não obstante, o governo de Najibullah, pró-URSS, acaba por cair apenas em 1992, quando se esgotam os recursos recebidos da recém-destruída União Soviética. (Marsden, 2002: 57) Só então é que o apoio aos mujahidin começa a levantar dúvidas nos EUA e alguns começam a sugerir o cancelamento das ajudas por perceberem que as facções eram “compostas por fundamentalistas islâmicos cujos objectivos para o Afeganistão estão nos antípodas dos nossos” (Lohbeck, 1993 apud Pinto, 2008: 236), como afirmava o Presidente da CIA na Câmara dos Representantes. Contudo, essa redução chegam apenas com Bush, em 1990 – primeiro, a redução em 60% do apoio e só no ano seguinte com a suspensão do envio de armamento. O resultado estava à vista de todos: um Afeganistão cheio de extremistas muçulmanos bem treinados, que na década de 90 levarão a cabo vários atentados contra os EUA, nomeadamente no World Trade Center, sendo que só então os americanos começam a aperceber-se realmente da ameaça afegã. (Pinto, 2008: 237) A sua obsessão pelo containment soviético cegou-os para o que era mais visível, numa atitude irreflectida e com consequências graves.

O caos estava, assim, lançado: regressam alguns refugiados, mas não todos; é grande o descontentamento com a representação étnica no governo interino (sem apoio dos pachtun), a jihad continua com força – desta vez, entre grupos étnicos resultantes de uma Aliança dos Sete Partidos formada em 1985 para comandar um governo interino no final da invasão soviética –, a instabilidade era crescente. Em suma, “O governo norte-americano, nos seus esforços de minar a União Soviética, tinha criado um governo no Afeganistão que tinha as suas raízes num pequeno grupo de radicais (…), substituindo o governo minoritário do PDPA por outro governo minoritário.” (Marsden, 2002: 62)

O Islão contemporâneo é um movimento baseado numa concepção de revivalismo – resulta de um ressurgimento originado pela falência das ideologias seculares, o nacionalismo árabe e o socialismo – e engloba um sistema político próprio que os islamistas querem implementar. Segundo Maria do Céu Pinto (2008: 21), a história do Islão “mostra a irrupção periódica de manifestações de ressurgimento religioso como resposta a situações de crise”, seja ela de que natureza for; ou seja, há um regresso aos preceitos originais, contra a decadência interna e as ameaças externas. E de tão abrangente que é o Islão, naturalmente que este abrange uma grande diversidade de tipos de praticantes, de empenhamento e da visão do estabelecimento dos valores do Islão: uns através do diálogo, outros da violência. (Idem: 25)»

segunda-feira, 15 de março de 2010

Metodologia em RI


«As Relações Internacionais (RI) são, como comummente reconhecido, uma ciência recente e cujo processo de autonomização foi tudo menos linear e universalmente aceite. Na realidade, muitas foram as críticas à sua emancipação, uma vez que o seu carácter transdisciplinar levantava dúvidas sobre a necessidade de um corpo teórico independente para aquele que considerava o seu objecto e que era reclamado, parcialmente, por várias outras áreas científicas. Além disso, a constante interacção com outras disciplinas dificultava o reconhecimento daquela como área autónoma.
As questões metodológicas em Relações Internacionais têm sido um dos centros das discussões teóricas no âmbito desta ciência, muitas vezes mais do que as questões substantivas. Como expõe Victor Marques dos Santos,

“Em RI a noção de método, ou o termo metodologia transcendem, com alguma frequência, o carácter substantivo d[e certas] questões (…) ou mesmo o plano dos debates entre as várias escolas e perspectivas teóricas, para se concentrarem sobre as problemáticas epistemológicas da produção de conhecimentos, ou seja, para debaterem as questões inerentes à génese constitutiva da própria disciplina.” (2007: 93)

Efectivamente, se as Relações Internacionais, enquanto disciplina emergente, se definiam pelo seu objecto material, o seu objecto formal apresentava algumas inconsistências, como denota Maltez (2002a apud Santos, 2007: 96), nomeadamente a falta de unidade quanto ao método e à lógica. Falamos, então, de questões epistemológicas, dos fundamentos básicos de qualquer corpo científico, e que têm vindo a ser muito analisadas pelos teóricos internacionalistas, como referimos acima. Contudo, para vários autores, fundamental para a independência de uma disciplina é a problemática do objecto e não a do método, apesar de intimamente relacionadas. (Santos, 2007: 96)

Não obstante, a discussão metodológica é de grande importância, atendendo ao facto que é desse campo que provêm as maiores acusações de carências e faltas de rigor contra as Relações Internacionais. Isto porque tem que haver, em qualquer ciência, a adequação entre os métodos e a realidade e algumas abordagens importadas de outras áreas, como a Ciência Política, comprometem essa adequação. (Ibidem) A transdisciplinaridade é característica da abordagem internacionalista e, mais do que uma adição pura de visões distintas, consegue produzir um saber autónomo que transcende as respectivas áreas. (Idem: 99)»

(Excerto de trabalho pessoal sobre metodologias em RI)

domingo, 14 de março de 2010

Até onde poderá esticar a corda

Como escrevi num artigo sobre o Irão publicado no Jornal Defesa e Relações Internacionais, os Estados Unidos têm vindo a desenvolver esforços no sentido de mover todo o Golfo Pérsico na adopção de uma posição crítica face ao desenvolvimento do programa nuclear iraniano, violador de vários artigos do Tratado de Não Proliferação que este também assinou, mas que, sucessivamente, ignora. O périplo começou há umas semanas com Hillary Clinton e um corpo diplomático que visitou uns quantos países à volta do Golfo. Mais recentemente, Robert Gates, Secretário da Defesa, visitou a região numa viagem oficial que englobou não só o Afeganistão, mas também a Arábia Saudita, continuando a tarefa iniciada pela sua homóloga da pasta da Secretaria de Estado, Clinton.

Os Sauditas, mais uma vez, mostraram-se receosos com a atitude iraniana e apelaram à comunidade internacional a aposta nas sanções para demoverem o regime de Teerão de levar a cabo a continuação do seu programa nuclear cujos fins têm sido alvo de grande controvérsia. Para acalmar os sauditas e assegurar que continuam do lado dos americanos nesta questão, Gates deixou bem claro que a proposta de ajuda para a defesa anti-míssil na região que rodeia o Irão continua de pé e que os Estados Unidos não vão furtar-se a ajudar aqueles que se sentem ameaçados por Ahmadinejad e o seu programa nuclear.

Por outro lado, foi também notícia um sinal claro e importante das sanções que os Estados Unidos e a Europa têm vindo a levar a cabo contra Teerão: as duas grandes multinacionais retiraram do país. A Royal Dutch Shell e a Ingersoll-Rand anunciaram a retirada ou a diminuição da sua actividade, na sequência das sanções anunciadas. Como também expliquei no mesmo artigo que citei acima, o Irão, apesar da sua grande capacidade em termos de exportação petrolífera, não consegue suprir as necessidades do país em termos de gasolina para o consumo dos seus habitantes, importando esse petróleo refinado de vários outros países, nomeadamente dos Estados Unidos e da Shell. Pragmaticamente, alguns serão os efeitos das sanções adoptadas contra o Irão, apesar do seu Presidente querer sempre mostrar ao mundo que aquelas não têm os resultados desejados. Agora parece que é mais a doer. E a partir do momento em que a China aprove o reforço das sanções no Conselho de Segurança, ou pelo menos que não o vete, essas retaliações contra o regime podem ter efeitos mais graves na economia iraniana.

Várias outras empresas estão a seguir o exemplo, também resultado de grupos de lobby americanos que pressionam nesse sentido. Até onde poderão essas medidas prejudicar o Irão, é ainda cedo para avaliar. Contudo, a unidade que Obama procurou na comunidade internacional para demover o Irão dos seus intentos nucleares parece, lenta mas progressivamente, concretizar-se.

sábado, 13 de março de 2010

Percalço diplomático no Médio Oriente

Mais uma questão de soberania e mais um sinal do caos que é a sociedade internacional.

Israel e a Palestina concordaram em iniciar conversações indirectas, cujo intermediário são os Estados Unidos. Até aqui, tudo muito bem e pacífico, tudo muito contente pelas duas facções estarem dispostas, pelo menos isso, a um diálogo ainda que não frente a frente. Com o agudizar das tensões nos últimos meses, esta anuência significava já uma certa evolução.

Joe Biden, o vice-Presidente dos Estados Unidos, árbitros nestas conversações no Médio Oriente, há pouco tempo chegado de Israel, recebe uma notícia: o Ministro do Interior israelita tinha acabado de autorizar a construção de centenas de colonatos na zona Oriental de Jerusalém. Ora, naturalmente, esta permissão causou um grande desconforto diplomático e colocou em causa todos os esforços no sentido da paz entre os dois lados desta controvérsia. Biden criticou o anunciado, seguido por Ban Ki-moon, e, claro, a reacção palestiniana não se fez esperar. Com muita razão.

Eu sempre disse aqui que Israel tem as costas protegidas. Os Estados Unidos, para garantirem um aliado numa zona vital para os seus interesses, continuam a pactuar com o Estado judaico, que, podendo ter razão nos seus clamores por um território, perde-a sistematicamente com uma atitude prepotente e conflituosa. Ainda assim, a Palestina decidiu continuar o calendário destas conversações, numa atitude bastante nobre, talvez já habituada aos caprichos israelitas. Com as conversações suspensas há mais de um ano e com os colonatos como principal ponto de discórdia entre as duas entidades, este anúncio israelita veio muito pouco a propósito. Talvez por só então ter percebido o impacte de tais declarações, ainda Biden estava no Médio Oriente, Israel pediu desculpa pelo sucedido.

Haverá lugar para a Paz entre palestinianos e israelitas? Conseguirá alguma conversação arrecadar cedências de ambos os lados e apaziguar esta quezília histórica? Repare-se, por exemplo, nesta notícia do NYT: Palestinians Honor a Figure Reviled in Israel as a Terrorist.

Algumas horas de pois de escrever este post com o intuito de o publicar, li algumas notícias que davam conta da alteração da situação israelo-palestiniana: Abbas, ofendido pelo anúncio de Israel, recusou continuar as conversações; Israel pediu desculpa, mas não recuou; Biden pediu cooperação a todos e de nenhum lado obteve respostas.

Agora, depois da notícia do NYT e destes novos dados, as perguntas mantêm-se: Haverá lugar para a Paz entre palestinianos e israelitas? Conseguirá alguma conversação arrecadar cedências de ambos os lados e apaziguar esta quezília histórica?

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ameaças transnacionais


(Documento do Center for Strategic and International Studies para download dos interessados)

Separatismo e Soberania

Ontem, quando falava em Direitos Humanos, disse que tinham surgido, na imprensa mais recente, dois casos especialmente ilustradores de como este tema concentra muita atenção. O primeiro foi o de Suu Kyi, impedida de participar nas eleições em Myanmar, e que apresentei ontem.

Hoje, queria focalizar a nossa atenção numa questão de Direitos Humanos particularmente interessante (para mim) e delicada, uma vez que vamos roçar num dos princípios mais controversos do Estado Nação westfaliano: a soberania.

Kosovo, Irlanda do Norte, País Basco, Abcácia, Taiwan, Tibete: todos são casos sérios de separatismos e de lutas com os Estados centrais precisamente por causa desse conceito de soberania. A opinião pública vai divergindo entre a simpatia pelos lutadores da sua causa e a antipatia por aqueles que querem desmembrar a unidade nacional. De facto, esta ambiguidade existe. Existe, porque não há um menu que determine quando é que realmente se está a ser subjugado num Estado ao qual se sente não pertencer ou quando as exigências separatistas não passam de uma pulsão terrorista. As opiniões dividem-se, as Relações Internacionais e a Ciência Política não são muito esclarecedoras e a pouca nitidez nesta fronteira turva uma visão científica desta realidade. Optando por diferentes escolas do pensamento, temos diferentes formas de analisar essa mesma realidade da soberania e do separatismo.

O Dalai Lama, líder espiritual budista, acusa a China de querer eliminar aquela religião e pede apenas uma autonomia alargada para o Tibete, que não considera pertencer ao território chinês. A China, por seu lado, acusa-o de ser separatista e, num altura em que se comemora a ocupação chinesa da região, reforça a presença policial e militar, adoptando medidas dissuasoras de qualquer tentativa de rebelião popular ou manifestação no sentido de contestar aquela mesma data.

Conquistadores e conquistados. Soberania. Direitos Humanos. Repressão. Integridade territorial. História. Tradição. Cultura. Autodeterminação. Inúmeros são os conceitos que uma discussão desta natureza traz. O único factor bastante claro no meio de toda esta confusão é uma oposição nítida e compreensível entre conjunto de indivíduos que pretendem ser independentes porque pensam não fazer parte de uma Nação que sentem exterior a eles e, por outro lado, um governo que quer assegurar a integridade do seu território, uma das suas funções primordiais, para não perder o estatuto de Estado unificado e que, para tal, usa a força que lhe é atribuída constitucionalmente, limitando os direitos de uma parcela dos seus habitantes em nome da totalidade e da união da sua população.

É esta a realidade no Tibete e é esta a realidade em muitos outros sítios. O que é certo é que os meios utilizados na prossecução desse mesmo fim, as motivações que subjazem aos separatistas e o percurso histórico de cada país variam e ditam, dessa forma, matizes que complexificam a reflexão e um posicionamento científico sério e ponderado face a cada um deles, afastado de uma perspectiva puramente política e de interesses nacionais. E aí, sim, está o problema – afastar a Ciência das influências do exercício prático da política externa.

(A propósito da China, encontrei também esta notícia)

quinta-feira, 11 de março de 2010

O mesmo teatro de sempre (I)

São duas questões de democracia. Esta palavra, que ficou tão cara para a contemporaneidade, continua a centrar muito do debate político a nível internacional e frequentemente surge para discussão e reflexão.

O primeiro caso é o de Suu Kyi. Como já fui escrevendo aqui no blogue por várias vezes, esta activista pelos Direitos Humanos é o rosto da luta pelas questões democráticas na muito pouco democrática República de Myanmar. Neste país liderado por uma Junta Militar, que, contudo, tem mostrado alguns sinais (simples cosmética?) de abertura, eleições, manifestação de opinião e oposição são realidades muito pouco conhecidas e enraizadas.

No entanto, como dizia, alguma abertura tem vindo a ser revelada pelos líderes militares daquele país asiático. Nomeadamente, ao fim de vinte anos, possibilitando a existência de eleições. Se estas serão livres, democráticas na plena acepção do termo e justas já é outra discussão que podemos levantar. Sinceramente, não acredito que o sejam e penso que só alguém muito ingénuo poderá fazê-lo, uma vez que a tradição ditatorial da antiga Birmânia está muito enraizada e naturalmente que as elites no poder não se arriscariam a uma esmagadora derrota que as expulsaria da liderança.

Há vários meses, desde o incidente do americano que se refugiou na casa de Suu Kyi, se vem discutindo a condenação ou o prolongamento da condenação desta senhora. O cerne desses prazos não são só o afastamento da activista, mas principalmente incapacitá-la de participar no dito escrutínio. Recentemente, e confirmando todas essas suspeitas, foi anunciado que Suu Kyi não poderia candidatar-se. Porquê? Porque simplesmente foi criada uma nova lei eleitoral, que tem vindo a ser tornada pública aos poucos, que define que quem tenha sido condenado por um tribunal esteja proibido de se candidatar. Ora, como se sabe, a senhora passou 15 dos últimos 21 anos detida, o que implica, obviamente, uma condenação.

Como adianta o Público de ontem:

“Suu Kyi fica assim oficialmente excluída de representar o seu partido, a Liga Nacional para a Democracia, algo que a sua detenção já tornava inviável. A Nobel da Paz está confinada à sua casa de Rangum, onde só pode fazer telefonemas vigiados, não tem acesso à Internet e todas as visitas são controladas.

A opositora fica também impedida de tentar chegar a chefe de Estado por ter sido casada com um cidadão estrangeiro e porque os seus filhos têm passaporte do Reino Unido. Muitos outros membros da Liga Nacional estão entre os 2000 presos políticos da Birmânia, pelo que não poderão candidatar-se.”

Para terminar esta primeira questão (a segunda será publicada amanhã), resta dizer, como prova de sustentação do que defendi, que em 1990, nas últimas eleições, Suu Kyi arrecadou 392 dos 485 lugares do Parlamento, tendo sido o resultado recusado pelos generais da Junta.

Vinte anos depois, o mesmo teatro?

quarta-feira, 10 de março de 2010

Ahmadinejad

Ahmadinejad tem umas tiradas famosas... Desde a negação do Holocausto a comentários sobre Israel, ele é, no Médio Oriente, o equivalente ao nosso europeu Berlusconi.

Agora, foi a vez de subscrever a posição conspiracionista do 11 de Setembro.

terça-feira, 9 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher

No Afeganistão, uma das políticas que o General McChrystal mais defendia era a aproximação da sociedade civil afegã a todos os intervenientes estrangeiros naquela guerra no seu país, no seu território. É uma das formas mais eficazes de contra-insurreições de grupos violentos como os Taliban. Uma vez que ontem foi o Dia Internacional da Mulher, não poderia deixar de fazer aqui uma referência ao papel das mulheres nessa mesma aproximação, como se pode ler neste artigo. Atendendo ao facto de que esta intervenção no Afeganistão está a permitir a muitas mulheres libertarem-se dos padrões machistas daquela sociedade, frequentando, por exemplo, a escola, aqui fica a minha homenagem às mulheres. (Mas só porque afinal também existe um Dia Internacional do Homem!)

segunda-feira, 8 de março de 2010

O Irão e a questão nuclear



Já escrevi aqui muito sobre a questão nuclear iraniana. Todos os que se interessarem por esta problemática podem ler um artigo mais desenvolvido que escrevi para o Jornal Defesa e Relações Relações, disponível aqui.

Sobre a Reforma de Saúde nos Estados Unidos...

... um belo cartoon do Political Graffiti:

domingo, 7 de março de 2010

Hipocrisia no Iraque

Poder-se-á dizer que o Iraque voltou à normalidade, como li em alguns artigos por estes dias? Depois de umas eleições que só mataram cerca de 40 pessoas, podemos falar em normalidade para aquelas bandas? A mim parece-me muito forçado. Um país que foi invadido e que viveu, até há bem pouco tempo (se é que ainda não continua) dentro de uma guerra durante 7 anos não pode falar de normalidade após meia dúzia de semanas ou porque tiveram lugar umas eleições com os traços daquelas que acontecem por todo o lado no Ocidente.

Ora, esta era a principal ideia que gostaria de frisar aqui hoje. Em segundo lugar, queria dizer que, desde que me interesso por esta região do mundo, considero desnecessária a invasão do Iraque em 2003. Foi uma abordagem unilateral e coerciva completamente descabida. É que tão descabida que nem em temos de interesses política externa americana ela se consegue conceber. Ao contrário do Afeganistão, cuja situação é completamente distinta, apesar de ambos os conflitos se enquadrarem na "luta ao terrorismo", o Iraque não constituía qualquer tipo de ameça à segurança social. Não tinha armas de destruição maciça. E se tivesse? Alguém já atacou a Coreia do Norte? O Irão?

Decorreram, no Iraque, as tais eleições de que falava em cima. Foram as segundas desde a invasão e com melhores resultados em termos democráticos do que as anteriores, onde o boicote dos sunitas pôs todo o sufrágio em causa. Desta vez, nada disso aconteceu. Morreram algumas dezenas de pessoas e outras dezenas ficaram feridas, mas, afinal, é aquilo a que nos habituámos a ver no Médio Oriente, certo? Quem dá atenção a atentados suicidas no Paquistão? Quem passa do título de uma notícia sobre atentados no Iraque? Ninguém. Já quase não há mensagens por detrás destas acções, que se vulgarizaram e que, como tudo que se vulgariza, perde valor enquanto acto isolado que capta a atenção do outro.

Não perco muito tempo com os resultado per se. Não interessam os resultados quando todo o processo foi conduzido à maneira Ocidental, formas cujos iranianos foram praticamente obrigados a aceitar. Até que ponto é legítima esta vontade dos americanos e muitos europeus em exportar estes padrões. De facto, Saddam não era um inocente líder com as mãos limpas de sangue da sua população que violentamente governava. Agora, sejamos honestos: quantos líderes têm sangue nas mãos e não são invadidos? Quantos são aqueles cujas populações denunciam e clamam por ajuda do exterior que nunca chega? Por que é que isto acontece? As Relações Internacionais reflectem sobre estas questões e estudos aprofundados nesta área da intervenção militar e da democratização do Médio Oriente e da Ásia Central seriam bem-vindos. 

Mas precisaremos mesmo deles para continuar a hipocrisia que envolve toda esta questão do Iraque a ponto de dizer que a normalidade chegou ao Iraque? 

sábado, 6 de março de 2010

Teerão aperta o cerco

Teerão tem vindo a aumentar a pressão sobre a oposição. Desde a repressão das manifestações, à detenção, às execuções, tudo tem servido de motivo para o regime se defender da sua própria população. A notícia do NYT dá agora conta do encerramento de duas publicações de opositores de Ahmadinejad, que eram das últimas que circulavam pelo Irão. Segundo o Público, também um realizador iraniano conhecido internacionalmente e próximo do líder da oposição foi detido, juntamente com a sua família e alguns convidados que estavam em sua casa nesse momento, sem que os media estatais tivessem dado, até agora, conta do sucedido.

Para mim, todos estes sinais que recebemos no Ocidente daquele país são reflexo de um certo desespero iraniano. O regime tem consciência da amplitude do seu isolamento internacional e sabe perfeitamente que as manifestações mais frequentes são contra si e não contra os Estados Unidos, estrangeiros pouco afamados há várias décadas no país da Revolução de 1979.

No entanto, todos os iranianos defendem, regra geral, o desenvolvimento do programa nuclear. Isso significa, para o regime, que seria um erro abdicar desse trunfo perante uma sociedade insatisfeita e daí que não ceda perante o Ocidente e as inúmeras ameaças de sanções económicas. Só a China continua por convencer, mas não sabemos até quando. Na verdade, os chineses temem que Israel comece a fartar-se da ameaça iraniana na sua vizinhança e não avise ninguém quando planear atacar os centros nucleares do Irão. Isto originaria, naturalmente, uma escalada da violência no Médio Oriente. Uma violência que nem os países daquela região nem os restantes que dela dependem energeticamente estariam interessados. A China morre de medo que o Irão feche as torneiras do petróleo para o seu país (daí que Clinton tenha assegurado a Arábia Saudita como substituto dessas importações em caso de bloqueio do Irão). Mas nós sabemos como é o feitio isrealita, que ataca sem avisar e põe tudo em pratos limpos - não porque seja um herói, mas porque tem as costas portegidas pelos Estados Unidos.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ucrânia - Rússia


Dejá vu?

Des-nuclear II

"President Barack Obama’s speech in Prague in April 2009 signaled a profound shift in US thinking about nuclear weapons and imparted renewed momentum to the nuclear disarmament movement. No supporter of this cause has any illusions about the obstacles that lie in the path of its realization. Indeed, a number of otherwise sympathetic analysts believe that the ambition is unrealizable, no matter how desirable it may be. Yet even if a world free from nuclear weapons is impossible, there is little dispute that a reduction in the number of such weapons is good in its own right."

O artigo pode ser lido na íntegra aqui.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O des-nuclear

Barack Obama vai rever a sua política nuclear.

Numa altura em que as questões nucleares estão no centro da agenda mediática internacional, esta revisão de Obama pode ser fundamental para reorientar toda a preocupação com esta problemática.

Coreia do Norte, Paquistão e Irão são as grandes preocupações - cada um por seu motivo e com gravidades distintas. No entanto, o que está em discussão é a desnuclearização de um mundo ao mesmo tempo em que algumas partes desse mundo procuram nuclearizar-se, não vá dar-se o caso desse mundo sem armas nucleares nunca acontecerem e eles perderem a vanguarda em termos de segurança e o respeito que uma arma atómica exige.

«"De acordo com as mesmas fontes, a proposta de Obama para a “Revisão da Postura Nuclear” (um documento que todos os Presidentes elaboram) prevê uma substancial redução da capacidade nuclear norte-americana, através da não substituição e/ou desmantelamento do seu inventário já recolhido e que permanece em armazém.

“Ficará muito claro no documento que buscamos uma redução dramática do nosso arsenal – na casa dos milhares de armas”, referiu um dos participantes na revisão, citado pelo diário “The New York Times”.» (Público de 1 de Março)

As intenções são boas, a opinião pública também me parece que será favorável, assim como muitos líderes ocidentais. No entanto, os EUA nunca o começarão sozinhos, têm que enfrentar algumas divisões domésticas quanto à percepção desta questão, já para não falar do Irão que pode colocar tudo em causa...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Os -istões II


"O Tajiquistão é outro país que se vai vergando aos ventos imperiais - mas com uma reviravolta de cariz islâmico radical.
(...)
O Tajiquistão sofre aproximadamente trezentos tremores de terra e terramotos por ano, uma metáfora muito apropriada para a sua política. O regime atrozmente corrupto de Rahmonov [reeleito no passado Domingo] está quase hipotecado a Moscovo. Cerca de vinte mil soldados russos estão estacionados no país e são empresas russas que operam as barragens hidroeléctricas mais estratégicas do país.
(...)
Mas o Tajiquistão é também uma ponte crucial para a revitalização das rotas comerciais sino-iranianas que ligam Xinjang, Och, Duchambé e Herat (no Afeganistão) ao Irão, com o qual o Tajiquistão partilha uma afinidade étnica e linguística."

In O Segundo Mundo, Parag Khanna, pp. 114-115

terça-feira, 2 de março de 2010

Eu disse...

Eu disse que o senhor estava a tentar. Hoje disse que a sua prioridade número um é mesmo a Europa. Vamos ver até quando vai aguentar não ter Moscovo como o preferido...


(Também é notícia a queda do governo de Iula Timochenko que será amanhã alvo de uma moção de censura, a qual perderá por falta de apoios. Pelo menos a incerteza e esta relativa instabilidade política não se arrastará mais.)

Os -istões

Para quem se interessa pela Ásia Central, acreditem que os "-istões" lá pelo meio dão que pensar e funcionam quase como aqueles insanos cubos mágicos.

Afeganistão, Paquistão, Turcomenistão, Quirguizistão, Cazaquistão, Tajiquistão e Usbequistão quase que parecem partes de um complicado trava-línguas. Para mim, além de travarem a língua, travam também o raciocínio se quisermos compreender bem esta super complexa região do globo.

Falo hoje nisto porque foi notícia do Público que as eleições no Tajiquistão foram chumbadas pelos observadores internacionais, apesar da pouca importância dada a esse facto pela comissão eleitoral nacional. O que é facto é que a comissão da OSCE apontou muitas falhas graves em aspectos muito básicos durante o escrutínio que teve lugar no país.

Naturalmente, a Comunidade de Estados Independentes, organização da antiga URSS, não concordou com estes resultados e aplaudiu de pé a reeleição daqueles que são pró-russos, que ultrapassaram a fasquia dos 70%. Contra a CEI está, também naturalmente, a oposição dos vencedores, o partido islâmico.

Sobre estes países da Ásia Central, assim em termos muito introdutórios mas elucidativos, aconselho a leitura de "O Segundo Mundo", de Parag Khanna, que já citei cá no blogue, e que traça um quadro contextualizador de todos estes países. A ler.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Media e Democracia


As mudanças estruturais vividas nos últimos 25 anos transformaram, naturalmente, a realidade: a individuailização, a secularização, a economização, a estetização e várias outras dinâmicas referidas por Maria João Silveirinha promoveram a “deslocação dos media para o centro do processo social” (Blumer, Kanvanagh, 1999 apud Silveirinha, s/d), tornando o acesso à informação dependente daqueles meios e criando uma comunidade “massmediada” (Silveirinha, s/d). E se prestarmos atenção a alguns pressupostos das democracias actuais, nomeadamente o da participação cívica e o da escolha racional, percebemos a importância de um público informado e interventivo nesse sistema que o acolhe.

Assim, a democracia surge como a “única forma de regime cuja legitimação implica necessariamente a comunicação” (Blumer, 1987 apud Ibidem), onde os media em geral funcionam como um vigilante do governo, sendo apelidados de “Quarto Poder”, “contra-poder” ou “cão de guarda” desse mesmo sistema democrático. Efectivamente, a liberdade de imprensa é, na actualidade, considerada um dos principais pressupostos de uma sociedade aberta, na qual os seus objectivos passam por transmitir uma imagem rigorosa do mundo , dar a possibilidade ao público de reagir ao que se passa nesse mesmo mundo e “dar voz à opinião dos cidadãos e não apenas aos detentores de outras formas de poder”. (Patterson, 2002: 35) Daí que formas patológicas de jornalismo tenham consequências na saúde da democracia e da vivência cívica. Também Hermenegildo Borges reconhece o valor e a ligação entre estes dois pólos, quando afirma que:

“Importa reconhecer que, nos regimes de democracia política, o jornalismo se funda nos princípios constitucionais da liberdade de expressão e, consciente do seu lugar e função na sociedade, procura nortear o seu agir por normativos deontológicos que sublinham o propósito de independência face ao poder político.” (Borges, 2010)

Este autor cita mesmo Ayala, defendendo uma similitude entre o discurso parlamentar e o género editorial, acrescentando que o parlamento e a imprensa acabam por ser, nas sociedades democráticas, “indispensáveis, complementares e coordenados”. (Ayala, 1984 apud Borges, 2010) Parece, então, evidente esta relação íntima entre política e comunicação. Compete-nos agora aprofundar essa relação.

(Excerto de trabalho pessoal)