sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

América Latina - Cuba e Venezuela

A notícia da libertação de vários presos políticos em Cuba parecia fazer antever a abertura do país em termos democráticos. No entanto, a proibição da saída de Fariñas do país para ir receber um prémio a Estrasburgo, no âmbito da liberdade de expressão, pode deixar-nos menos crentes relativamente a essa evolução do governo cubano.

Por outro lado, temos também a Venezuela: país de grandes disparidades sociais e de graves problemas de segurança, entre outros, também aqui a democracia tem sofrido bastantes reveses, ao qual agora se acrescenta a intenção de Chávez de governar com plenos poderes nos próximos 12 meses. O pedido já foi efectuado à Assembleia Nacional e é justificado pelas cheias que têm afectado o país. Para além da precipitação, eu acho que também está a meter-lhe alguma confusão a "chuva" de opositores que vai chegar ao parlamento venezuelano já em Janeiro - os 40% da oposição que tomarão os seus respectivos lugares nessa instituição, resultado das últimas eleições. Ora, com plenos poderes, Chávez ficará com um belo guarda-chuva para essa pluviosidade, continuando a metáfora.

11 comentários:

  1. Quando me falas em legitimidade democrática (não especificamente aqui, lembrei-me de te perguntar), o que queres dizer? Tens a "democracia" lá nos píncaros - ela supostamente é um meio de legitimar acções públicas e de punir legitimamente prevaricadores públicos. Pergunta: de onde vem essa legitimidade e a eficácia da punição? Porque é legítimo e eficaz?

    Abraço

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  2. A legitimidade democrática provém da transição da soberania popular para os seus representantes e da legitimidade que estes têm em exercer esse poder que lhes foi transferido. Qualquer acção nesse âmbito, e no enquadramento da Constituição, das leis gerais, etc, será democraticamente legítima.

    A eficácia da punição está relacionada com a tentativa de assegurar os princípios democráticos - a igualdade, a liberdade. Faz parte do controlo, o terceiro princípio, cujo objectivo é precisamente o de garantir essas qualidades da democracia para que todos vivam, através dela, felizes! :)

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  3. duas questões:

    i) Como se processa essa transferência de soberania? Ela está relacionada com as preferências do povo? Isto é, se alguém for eleito e agir contrariamente ao prometido tem legitimidade democrática? Depreendo do que dizes a seguir que sim.

    ii) Esse controlo faz-se nas eleições seguintes e na oposição que resulta do processo democrático, certo?

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  4. i) A transferência de soberania processa-se através de eleições livres; sim, à partida, subentende-se que o seu resultado reflicta as preferências do povo - daí a distribuição dos partidos no Parlamento e a formação de governo, por exemplo. Agora, como disse anteriormente, as eleições não são a única forma de controlar os representantes do povo. Há coisas como a "accountability" ou a "responsiveness" que efectivamente ajudam a garantir o respeito dos eleitos pelo que prometeram aos eleitores.

    ii) Esse controlo faz-se nas eleições, faz-se no confronto com a oposição e faz-se através daquilo que se chama "horizontal accountability" que é um processo mais contínuo que o das eleições, pelo qual várias instituições têm o direito/dever de controlar o exercício do poder: tribunais constitucionais, os media, os restantes partidos políticos, o Parlamento, o Presidente, etc..

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  5. i) e se te provarem que o processo democrático só incidentalmente reflecte as preferências do povo? Afectava de alguma maneira a legitimidade?

    ii) esse controlo é legítimo porquê? O que tem a horizontal accountability que ver especificamente com democracia? É um meio geral e, se me permites, trivial, não? Quer dizer, ao usares "accountability" a minha pergunta fica respondida por definição... Qual a legitimidade democrática desses controladores horizontais?

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  6. i) Sim, segundo a minha definição de legitimidade democrática, afectaria; teria que equacionar bem a questão. Alguma notícia para mim, é?

    ii) Esse controlo horizontal é legítimo por ser constituído por membros da sociedade que pode ser qualquer um de nós; podes formar um partido, podes participar na imprensa, etc. E a legitimidade provém do facto desses indivíduos serem escolhidos (não através de eleições) pelo povo - quer seja a simples compra de um jornal, quer seja a militância ou o voto num determiando partido. Estamos a falar da sociedade civil e da legitimidade que ela própria tem.

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  7. Começo pela ii) concordo plenamente. Gostei que explicitasses que o mecanismo não é democrático.

    i) notícia? Nenhuma! Mas deixo-te um exemplo simples do paradoxo de Condorcet: Imagina que eu tu e a Sara decidíamos ir de férias os três. Fomos a uma agência e dadas as nossas restrições orçamentais e de tempo, havia três destinos possíveis: A, B e C. Íamos almoçar para decidir e, em conversa, percebíamos que as preferências eram as seguintes:
    Tu preferias A a B a C
    Eu preferia C a A a B
    A Sara preferia B a C a A.

    Vamos a votos? Se forem os três a votos ao mesmo tempo, há empate: nada se decide. Portanto vamos votar dois a dois:

    A vs B - ganha A
    B vs C - ganha B
    A vs C - ganha C

    Portanto há uma maioria para as três hipóteses. A vencedora depende exclusivamente da ordem em que a votação é feita: a última a ser votada, ganha. Se a ordem for aleatório, então em termos práticos a legitimização deste sufrágio é equivalente a atirar uma moeda ao ar. Mas abre-se uma outra hipótese: eu já conhecia este paradoxo. Podia por isso, sem vocês perceberem, fazer com que a tua preferência e a da Sara fossem a votos primeiro e assim assegurar que a minha ganhava...

    Só te queria dar um pequeno e simples exemplo de como a escolha colectiva pelo voto não reflecte necessariamente nenhuma preferência colectiva - aliás, essa preferência pode nem existir com as características que vulgarmente associamos a uma ordenação "racional" (se preferes A a B e B a C então preferes A a C. O exemplo mostra que nesta agregação isto não acontece - as preferências colectivas não são transitivas).

    Claro que isto não deita de todo por terra a legitimidade democrática: o facto de termos acordado votar é meio caminho andado, por exemplo. Mas diz-nos que muita da retórica do "é a escolha da colectividade", ou "o público preferiu" está errada.

    Abraço

    P.S. que achas de eu fazer a minha tese neste domínio da public choice?

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  8. ii) Ainda bem que concordamos! :)

    i) Sim, compreendi a lógica. Mas isso não varia com os tipos de sistemas eleitorais? É que não são todos como o Português, como sabes. Não aumentarão outros tipos de eleições essa representatividade?

    Abraço!

    P.S. acho lindamente e super interessante! E, quando acabarmos o doutoramento, criamos um grupo de investigação onde se fundam as duas ciências! :P Acho muito interessante. Tens alguma ideia já mais específica?

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  9. Ainda não tenho ideias específicas. Medo!!!

    Cada sistema tem os seus paradoxos. Mas em economia usa-se muito este tipo de coisas para se explicarem a tendência deficitária dos saldos orçamentais públicos, e até para se explicar o crescimento do sector público. Coisas muito perto do meu G-spot. =P

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  10. Não tenhas medo! Tu se vai compondo com o tempo, mas claro que algumas ideias dão sempre jeito para não te dispersares - se bem que eu disperso sempre!

    Se está próximo do teu G-spot, tanto melhor! É que assim é outra qualidade de trabalho!

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