segunda-feira, 10 de maio de 2010

Política Externa Inglesa II

Meti-me num sarilho quando prometi fazer um breve comentário sobre a nova eventual política externa inglesa. Previsões são sempre perigosas, por isso prefiro falar de uma análise superficial a algumas ideias que apresentei no post anterior, excluindo desde já os trabalhistas para não tornar tudo ainda mais difuso e complexo. Para além daquilo que o Lourenço comentou ao meu post de ontem: muitas vezes diferentes nas perspectivas quanto a esta política, acabam todos por pôr em prática o mesmo. Questões como a ligação aos EUA não são, de todos, evitáveis.

Como é sabido, espera-se haver entre os dois partidos a formação de uma coligação. Essa coligação implicará cedências de ambas as partes e inflexões naquilo que defenderam durante a campanha e que é o programa dos respectivos partidos. Economia, Educação, Saúde, Obras Públicas e Política Externa são alguns dos temas que Clegg e Cameron (a dupla C&C) vão certamente falar nas próximas reuniões.

Quanto àquilo que me interessa particularmente, os tópicos são bastantes sensíveis. Repare-se que normalmente o presidente do partido que ficou em segundo lugar, em caso de coligação, é o que  se torna responsável pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, como acontece actualmente com a Alemanha. Ora, a funcionar dessa forma, o Foreign Office passará a ser ocupado por Nick Clegg.

Como conciliar as políticas externas de ambos os partidos? Apesar de achar as ideias dessa política dos Lib-Dem mais próximas de Brown do que de Cameron, há alguns pontos que ligam os dois partidos que se coligarão; mas há também pontos de divergência que terão que ser tratados com a devida diplomacia, atendendo à sua natureza.

1. A promessa de um envolvimento cada vez mais profundo com a UE dos liberais democratas (LD) opõe-se nitidamente às intenções conservadoras (C), que passam por: 
       a) oposição ao Tratado de Lisboa (apesar de não o revogarem)
      b) promulgação de uma lei que defina que sempre que haja mudanças que façam desaparecer o direito de veto do Reino Unido, essas têm que passar pela aprovação do Parlamento (estamos a falar, muito objectivamente, de um entrave sério ao aprofundamento da supranacionalidade da União e de uma nítida valorização da intergovernamentalidade) 
       c) submissão a referendo de qualquer novo Tratado da União, etc.

2. Certamente que os conservadores até se arrepiam só de ouvir um ponto que os LD defendem: "Encourage greater European security and defence co-operation". Vai ser um verdadeiro trinta e um para resolver...

2. LD a favor da adesão ao Euro, sem data marcada; C - Euro completamente fora de questão.

3. Ambos apoiam a entrada da Turquia para a União. Os LD apoiam ainda a Croácia e os restantes Estados balcânicos. Sem qualquer ilusão, a questão turca não passa mais do que o reflexo da política externa americana que tanto pressiona a União no sentido de acolher no seu clube aquele país euro-asiático. 

4. Ambos a favor da solução do problema israelo-palestiniano com a formação de dois Estados (gostava só de saber com que fronteiras...)

5. Quanto à questão iraniana, os liberais democratas falam em esforços diplomáticos mas recusam a utilização da força, enquanto esse aspecto militar não é posto de lado pelos conservadores (nem podem, porque caso os americanos assim o decidam, apesar de altamente improvável, os ingleses iriam logo atrás; foram-no com Blair, quanto mais com Cameron.)

6. Aumentar a ajuda estrangeira até 0,7% do PIB inglês até 2013 - esta é a medida sobre a qual nem vão falar porque é exactamente a mesma nos dois partidos (aliás, nos três, porque o valor era o mesmo nos Trabalhistas)

Como vimos, várias são as questões que ambos terão que debater. Não me parece que a solução seja fácil, especialmente em relação à Europa, com Clegg muito mais europeísta que o seu parceiro Cameron. No entanto, não podemos esquecer as grandes diferenças em termos de visões de política externa entre Hillary Clinton e Barack Obama e não deixam ambos de funcionar como uma equipa. O ponto nevrálgico está é noutro aspecto: é que Obama define a política externa quase unilateralmente e Clinton é sua funcionária. Agora Clegg pode (e vai) fazer exigências... Mas é de diplomacia e negociação que vive este mundo...

E tal como disse no comentário ao post de ontem, o que passarei a fazer será uma comparação das políticas inglesas neste domínio de facto com aqueles traços apresentados por ambos os partidos, tentando perceber em que momentos venceu a visão conservadora e em que outros momentos venceu a perspectiva liberal democrata. Auguram-se algumas confusões em Londres...

3 comentários:

  1. Andreuccio!

    Já não ouvia a palavra "sarilho" há tanto tempo! Normalmente ou é um palavrão caro ou um palavrão ordinário =)

    Mas saíste-te bem. Gostava era que elaborasses mais da relação do Cameron com os EUA. E gostei do C&C.

    Agora:

    "Mas é de diplomacia e negociação que vive este mundo" - eu sei que é uma daquelas coisas que se diz por dizer, assim em jeito de empalhar o discurso e prender a atenção e voltar o texto para outro tópico. Mas porra! =P

    Abraço

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  2. Sarilho é palavrão? Ai meu Deus que não tinha essa percepção! Lol! (Percepção = palavra do dicionário do Construtivismo)

    Cameron e EUA? Ok! Vou ver se não me esqueço um dia destes..

    Abraço!

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  3. Não! Não é! Por isso é que nunca se ouve. =P

    Abraço

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