terça-feira, 21 de setembro de 2010

No rescaldo

No rescaldo das eleições, a imprensa fala na mudança da imagem dos suecos. A questão que se coloca é se efectivamente foi isso que aconteceu: terá a escolha de um partido de extrema-direita significado uma mudança na essência dos suecos? Ou será apenas um desabafo momentâneo, num mundo economicamente frágil e ainda em perigo?

A resposta a esta pergunta só será alcançada daqui a vários anos – os suficientes para perceber se os Democratas da Suécia se estrearam nas cadeiras do Parlamento por uma legislatura ou se, pelo contrário, vieram para ficar. Aconteceu em vários países da Europa esta popularidade crescente de partidos radicais e a Suécia, apesar da sua saúde económica, não fugiu a esta regra: há que encontrar um bode expiatório para os males do país e há quem se aproveite da ingenuidade do eleitorado que reage a um discurso populista que promete resolver os males pela raiz. O partido encontrou o seu maior apoio nas zonas cuja média de imigrantes é mais elevada e em indivíduos desempregados.

Foi exactamente o que aconteceu na Alemanha com a eleição de Hitler em 1933 – fustigados pelo desemprego, pela fome, pela hiper-inflação e por todas as amarguras de uma guerra recente que os humilhou no seu resultado e os estropiou da sua imagem de império, os alemães não resistiram à retórica demagógica de Hitler, cujos resultados eleitorais foram, de forma geral, sucessivamente aumentando até permitir a sua eleição.

Será que a Europa já se esqueceu disto? Será que não consegue traçar um paralelismo? Depois de anos sem praticamente existirem, os partidos de extrema-direita emergem precisamente agora, quando todos falam em crise e medidas de austeridade? Num momento em que é preciso culpar alguém pelos fracassos do sistema financeiro e económico? Quer sejam eles romenos e búlgaros, imigrantes (i)legais, muçulmanos ou árabes, podem rapidamente passar a ser os culpados das desgraças do mundo. E há quem ganhe pontos construindo esta imagem que a população absorve acrítica, a-histórica e ingenuamente.

Pelo menos na Suécia os dois grandes partidos recusaram-se a formar qualquer coligação com esse partido, mostrando alguma dignidade democrática, porque não se trata só da forma, mas do conteúdo da democracia.

5 comentários:

  1. André

    Deixa-me chamar-te a atenção para um erro perigoso que creio que cometes: a de achar que a extrema-direita não passa de "demagogia" e que, quando muito, aproveita-se de gente em dificuldades porque nunca persuadiria alguém no seu perfeito juízo. (tirei bem as implicações do teu post? CORRIGE-ME!)

    Mas isto é uma visão muito incompleta! Concordas?

    Já falámos muitas vezes sobre os "cinzentos" e o terceiro excluído. E eu já te referi que um compromisso entre bacalhau com natas e veneno implica sempre morte. Não creio que seja excepção aqui. A evolução da extrema-direita não é, para mim, mais do que um exemplo banal deste fenómeno. Quer queiras quer não, fascismo é uma conclusão possível da social-democracia.

    Abraço

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  2. Sim, parcialmente essas são as implicações do meu post. Agora, há uma distinção a fazer: eu refiro-me a uma base de apoio dos partidos de extrema direita que se aproxima deles num momento específico (momentos que a História tem repetido e que levam às mesmas dinâmicas) - não àqueles que são partidários da extrema direita (ou extrema esquerda) por convicção e partilha das crenças, etc. Refiro-me exclusivamente neste post e vários outros às pessoas que, num momento de crise e de insegurança, se agarram a estas promessas e visões simplistas do mundo que tais grupos fornecem. Não porque ideologicamente se identifiquem com elas, mas porque estão zangadas, acham-se incompreendidas e vítimas de uma crise cujas causas e natureza frequentemente desconhecem, mas das quais sentem as consequências. Por isso, sim; muito incompleta. Há pessoas que se identificam com a ideologia e isso é "democrático".

    O fascismo como "conclusão possível da social-democracia" pode efectivamente acontecer. Mas, então o anarquismo é também uma conclusão possível do libertarianismo. A analogia é a mesma - e por seres libertário, não significa que sejas anárquico. São coisas diferentes. E a vida humana, assim como as relações políticas e as internacionais são marcadas por uma matização - é necessário reconhecer que ela existe, no sentido de promover um "equilíbrio" que se defenda, seja ele qual for. O meu equilíbrio é o de uma democracia que, ainda que com falhas e erros, não resvale para o fascismo, para o comunismo, para o anarquismo ou para qualquer preto ou branco. Não se pode reduzir uma realidade tão complexa como esta a um simples jogo bipolar. Cada um defende o seu ponto de equilíbrio, mais ou menos frágil, mas é necessário reconhecer outras gradações. A democracia americana é tão democracia como a sueca - e são ambas tão distintas. Não há gradações democráticas? Agora, a luta de muitos é defender uma gradação em vez de outra. O fascismo é uma evolução possível da social democracia, mas possível não significa necessária ou muito menos desejável...

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  3. Há gradações... Mas são instáveis. A tendência para o extremo é inelutável. =)

    Quanto ao libertarianismo tender para o anarquismo, discordo. Aceito que possa tender para a social democracia (aliás facto histórico!), mas não para o anarquismo.

    Ah! Claro! E nunca te acusaria de fascismo!!!

    Abraço

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  4. Ui! Inelutável é muito forte!

    Num continuum político imaginário, um "descontrolo" do libertarianismo poderia facilmente terminar num anarquismo.

    Sim, obrigado! Lol! Só para não pensarem que sou fascista! :)

    Abraço!

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