(Mais um excerto de trabalho pessoal.)
«O Afeganistão vivia, na década de 90, uma profunda crise de identidade, política e de valores, já para não falar da económica. As bases estavam, assim, lançadas para esse “revivalismo” de que Maria do Céu Pinto fala. Assim, há um grupo que usa este elemento unificador da identidade afegã e a partilha de uma História comum para promover os seus ideais: “80 anos de humilhação” é a frase que Bin Laden usa para resumir a história dos muçulmanos desde século XX. (Idem: 46) É um sentimento anti-americano que emerge como bode expiatório desta concepção histórica, juntando uma população frustrada em torno de um ódio comum.
A insatisfação com o status quo, um líder carismático e experiente e princípios orientadores (Marsden, 2002: 82) foram os ingredientes necessários para o nascimento de um movimento popular que assume uma forma puritana e o recurso à força para libertar o mundo muçulmano das mãos dos opressores ocidentais. De grupo espontâneo formado em Kandahar em 1994, composto por estudantes religiosos que queriam parar a corrupção inspirados no Islão e apoiado pelos EUA, o Paquistão e a Arábia, rapidamente começam a tomar cidades e a impor, cegamente, a lei e a ordem, num país que havia perdido o norte. (Idem: 65-68) Eles eram, então, o símbolo da paz e da segurança, ainda que relativa, de Kandahar, uma vez que punham fim às lutas entre grupos tribais, que desarmaram a população e abriram estradas. (Rashid, 2001: 23)
Este grupo, chamado de Talibã (ou Taliban), aqueles que estudam o livro, apoiado pela maioria pachtun, defendia uma interpretação extrema da Sharia e, ao tomarem uma cidade, aplicavam lá rigorosíssimos decretos. (Idem: 24; Marsden, 2002: 68) Nestes, eles incluam códigos de vestuário, conduta, educação, oração, proibição de entretenimento, papel e especificidades da mulher, etc. Numa aparição quase messiânica de salvamento dos afegãos, os Taliban gozavam de uma grande popularidade e movimentaram-se rapidamente pelo território, tendo enfrentado maiores dificuldades em Cabul. O rigoroso inverno de 1995/96 facilitou a tomada da capital e, sem um tiro, apenas com o descontentamento de uma população com fome e frio, entraram na cidade e enforcaram publicamente Najibullah e o seu irmão – estava construída a imagem de invencibilidade dos Taliban, assim como o sentimento de salvação. (Idem: 68-72)
No entanto, após a tomada de poder, houve um retrocesso económico no Afeganistão, acompanhado por uma fuga de grandes massas para o Paquistão em resposta às restrições taliban e por uma inconsistência na prossecução das políticas quer interna quer externa. Apesar deste cenário, o Paquistão reconheceu o governo taliban e alguns outros lhe seguiram, mesmo apesar deste grupo enfrentar sérias dificuldades no norte do país, onde a “Aliança do Norte” consegue detê-lo, provocando o pânico da insurreição contra o novo governo. (Idem: 73-78) Repare-se que não foi uma coincidência esta fraca adesão aos Taliban no norte do país, pois esta zona era mais tranquila e não viram a sua chegada como uma salvação, muito pelo contrário.
E, assim, neste contexto de instabilidade e de lutas internas, acontecem os ataques terroristas aos EUA, em Setembro de 2001, que desviam a atenção dos Taliban para outros assuntos, como a sua protecção face ao exterior, uma vez que a al-Qaeda, a organização internacional terrorista islâmica autora dos ataques, estava sediada no Afeganistão e era protegida pelo governo afegão. (Vaïsse, 2005: 278) »
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