sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

China - que brilho? (III)

ECONOMIA: Muitos têm afirmado e vaticinado o fim dos Estados Unidos pela sua enorme dívida em títulos do tesouro em relação à China, que aquilo só pode acabar com o afundanço do primeiro e a ascensão da segunda como a potência do século XXI. Mais uma vez reitero a minha oposição.

Lia outro dia sobre os valores das relações comerciais entre os dois países; eles demonstravam que essas mesmas relações têm vindo a intensificar-se na última década: aumentaram as exportações dos EUA para a China e as da China para os EUA (um aumento de cerca de 94 biliões de dólares em 1999 para 409 biliões em 2008 do total das trocas). Mas mesmo apesar de os EUA terem uma balança comercial deficitária com aquele país, a natureza dos produtos trocados é muito diferente – e fundamental, eu diria.

Na lista dos produtos trocados, podíamos ler: maquinaria eléctrica e equipamento, material de aviação, equipamento médico, ferro, aço e alumínio, sementes de óleo e químicos orgânicos que se deslocavam dos EUA para a China; no sentido contrário vinham também maquinaria eléctrica, brinquedos e jogos, calçado, plásticos, etc. Ora, o valor acrescentado deste tipo de produtos é bastante diferente, pois não podemos comparar esse valor relativo a um avião de plástico chinês com um qualquer componente para um avião real.

Mais, em termos de ferro, aço, alumínio e produtos agrícolas, mostra alguma dependência da China face ao exterior de um produto que, ainda que sem grande valor acrescentado porque primário e não transformado, é muito importante para a sua sociedade – matéria-prima para trabalharem e alimentação.

E em termos de dependência face às exportações, não podemos ignorar o facto de os EUA serem, na realidade, o seu primeiro destino, do qual dependem quase 20% das exportações chinesas. E 20% de 1 428 biliões de dólares anuais em exportações é um enorme volume. Ou seja, por muito que os chineses possam abanar com os títulos do tesouro americano, os americanos também podem abanar com as suas alfândegas, pois fechando as portas às importações chinesas, esta economia iria sentir um efeito devastador. Além disso, temos que levar em conta que o grande hiato existente, em termos comerciais, entre ambos os países também se deve em grande medida às constantes desvalorizações artificiais levadas a cabo pelos chineses e contra as quais, obviamente, Barack Obama tem pressionado os representes sinos, cujos produtos tão baratos se tornam um bem muito competitivo especialmente em épocas de crise.

Em suma, as duas economias estão intrincada e inevitavelmente relacionadas, o que impede que a China pouco mais possa do que fazer algumas ameaças. Mas mesmo assim, os Estados Unidos não correm o risco de lhe mostrar muitos cartões vermelhos, em termo de direitos humanos, por exemplo, porque o preço a pagar também seria elevado, sem prejuízo desta relativa tensão que actualmente se tem sentido entre as duas potências.

2 comentários:

  1. Andreuccio

    Biliões ou mil milhões? Biliões ;)

    Ter uma balança corrente deficitária não é uma coisa má, depende da intertemporalidade. Se essa poupança (empréstimo) for usada em investimentos produtivos, é uma coisa boa, fundamental até para o desenvolvimento (se é o caso ou não dos EUA, depois falamos).

    Como falaste e muito bem os chineses têm mantido a sua moeda baixa, e daí estarem a acumular reservas externas. Portanto também não podem ganir com a dívida americana porque lhes vai dando um jeitasso.

    Quanto a abanar com as alfândegas talvez seja mais difícil por causa do politicamente correcto e dos acordos internacionais. Uma coisa é a China cometer concorrência desleal, outra é os EUA. Há muito a atitude de que os EUA e mundo ocidental em geral têm de se sacrificar pelo resto do mundo. Resquício altruista.

    Na verdade há mesmo quem diga que a melhor coisinha que podia acontecer aos americanos era se os seus títulos do tesouro começassem a ser vendidos, descendo o dólar, estimulando exportações e forçando o governo americano à contenção orçamental.

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  2. Lourenzo,

    Fui agora ver a diferença entre ambos. Obrigado por me alertares para isso; traduzi directamente do Inglês e cometi uma falta de rigor, certo? Thanks!

    Pois, o teu raciocínio parece-me lógico e bastante plausível. A China não tem que se preocupar com certas delicadezas ocidentais, não é? O que achas que vai acontecer? Os títulos do tesouro serão mesmo vendidos ou assistir-se-á à continuidade desta dinâmica actual? Até onde poderá ela ir?

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