segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

WikiLeaks III


Protelei para hoje a minha opinião como internacionalista e investigador sobre o caso WikiLeaks ou Cablegate. Sei que muita gente concorda desmedida e completa e abertamente com tudo o que se está a passar. E sei que muitos outros, pelo contrário, pretendem ver Assange calado, preso e bem longe de um computador – se é que isso hoje adiantaria já alguma coisa.

Pois, para mim, a questão é mais complexa do que a figura do sueco, pois trata-se de vários princípios fulcrais da nossa vida em sociedade e da forma como nos organizamos e somos governados. Para mim, este problema da WikiLeaks é essencialmente um problema de Ciência Política – os princípios democráticos – e das Relações Internacionais – a diplomacia e as relações entre os Estados soberanos.

Democracia é o primeiro conceito que surge na minha cabeça. Afina, não trata a democracia de transparência? Não implica o estado de direito essa mesma transparência? Sim. Mas até que ponto será errónea esta publicação selvagem de documentos secretos? Os conceitos que utilizamos representam a realidade e tentam traduzi-la; essa realidade, tão complexa como, por exemplo, a própria democracia, fica sempre diminuída ao ser enquadrada num termo. E por mais discussão que exista em torno da definição da democracia e da sua qualidade, há algo que é comummente aceite: a democracia é uma forma de governo, a que parece mais justa e adaptada à vida em sociedade que conhecemos. Está longe de ser perfeita. Mas qualquer que seja a nossa concepção de democracia, ela tem obrigatoriamente que conter intrinsecamente um conjunto de dimensões que não podem ser simultaneamente maximizadas: liberdade, igualdade e controlo. As discussões filosóficas relativamente à democracia (que eu e o Diogo temos frequentemente) circunscrevem-se às opiniões de qual dimensão maximizar em prejuízo de que outra. Muitas vezes, em nome da igualdade prejudica-se a liberdade; outras, em nome da liberdade, trata-se mal a igualdade (o Diogo vai já dizer que não e que viva a liberdade absoluta, cada um que se desenvencilhe).

Entretanto, claro, já perdi o fio à meada. Recupero-o: o que eu queria dizer é que não devemos, na minha opinião, conceber a liberdade (de expressão, neste caso; de estado de direito e transparência) como um elemento absoluto, a qualquer preço. A democracia liberal existe porque existe um equilíbrio de dimensões, que, passo a citar daqui:  

“…embora excelente em si mesmo, inevitavelmente conduz à destruição da sociedade civilizada quando levado até ao extremo e aplicado com desprezo dos restantes.”

E é esse extremo e esse desprezo que estão a causar o caos na sociedade mundial. Uma concepção errónea dessa forma de governar as gentes que está a conduzir à absolutização de um conceito que é, por si, dependente de equilíbrios e, daí, tão instável e controverso.

Por questões de segurança, determinadas informações devem ser mantidas secretas. Por questões de funcionamento da diplomacia e das próprias sociedades. Já não sabíamos todos que a Arábia Saudita tinha um medo de morte de um Irão nuclear? E não é de ter? Agora, qual a imagem que os iranianos terão dos sauditas? Não utilizarão esse medo declarado em seu favor?

Não podem ser os cidadãos, roubando documentos e informações, a divulgar o que bem lhes apetece na altura mais propícia. Trata-se de uma função das instituições que nós elegemos para nos representar; trata-se do seu trabalho. E não estamos a defender uma visão de uma população ingénua e incapaz; estamos a proteger essa população de assuntos que, pela sua natureza, podem ser prejudiciais a si própria. Daqui a uns anos, isso viria a ser revelado sem problemas de maior e a transparência estaria lá.

Assim, qual a minha posição: sou contra qualquer tipo de absolutos (como o Diogo bem sabe, mesmo apesar de tentar convencer-me do contrário, e mesmo incorrendo na possibilidade de defender incoerência); mas isto nem é Matemática e muito menos Física e, portanto, um equilíbrio continua a parecer-me mais saudável. Inquieto-me com a facilidade com que se romperam determinados canais que deviam ser seguros; alarmo-me com a facilidade com que se consegue pôr este mundo de pernas para o ar.

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