sábado, 12 de junho de 2010

"E a Turquia?", João Marques de Almeida

Encontrei por acaso este artigo de João Marques de Almeida no site do IPRI, mas originalmente publicado no Diário Económico. Penso que vale a pena ler numa altura em que tanto se fala sobre Israel e a Turquia, chamando a atenção para os comentários que o autor faz em relação à estratégia turca e ao timing que está a viver actualmente. Transcrevo-o abaixo, mas pode também ser lido aqui.

"Cada vez que há um problema que envolve Israel, a opinião pública europeia, pelo menos por uns dias, esquece tudo o resto.



Nas últimas semanas, pela primeira vez, houve um tema que bateu a crise económica na atenção da imprensa europeia. Como Israel se tornou num foco gigante que esconde tudo o que se passa à volta, a maioria dos observadores não tem prestado muita atenção à questão turca. A novidade não é o conflito entre Israel e o Hamas. O que é verdadeiramente novo é a mudança na política externa da Turquia. Nos últimos dois anos, o governo turco tem seguido uma política de expansão regional, associada à estratégia interna de consolidação do poder.



Como mostram as reacções do primeiro-ministro Erdogan, com discursos inflamados perante militantes do seu partido e do ministro dos Negócios Estrangeiros, falando de um modo absurdo do "11 de Setembro turco", a liderança turca quer aproveitar o problema com Israel para prosseguir os seus objectivos internos e externos. Estamos a assistir a um claro processo de instrumentalização política. 



Nos últimos dois anos, o governo turco olhou para o Médio Oriente e viu uma oportunidade de expansão estratégica na região. Com a liderança de Mubarak a chegar ao fim, o Egipto está fragilizado. Após anos de guerra, o Iraque está em reconstrução. Por fim, o Irão está isolado. Ou seja, as potências regionais tradicionais estão fracas, sobrando assim a Turquia. Simultaneamente, os Estados Unidos estão concentrados no Afeganistão e, depois da guerra do Iraque, estão diplomaticamente saturados do Médio Oriente. Estão assim reunidas as condições para a estratégia neo-Otomana do regime turco.


À estratégia expansionista, só faltava acrescentar Israel. Antes de mais, a hostilidade contra Israel permite que as profundas alterações da política turca não provoquem reacções demasiado negativas na Europa. Enquanto estão todos a olhar para Israel, a Turquia vai mudando. Além disso, tornar-se no campeão da causa palestiniana é a melhor maneira de legitimar uma estratégia de expansão no Médio Oriente. O confronto com Israel aumenta ainda a popularidade interna do governo, e enfraquece a legitimidade dos adversários internos, nomeadamente os militares. Não é difícil imaginar o discurso que se prepara. O governo do AKP enfrenta Israel em nome dos direitos dos palestinianos. Os militares ignoraram a luta palestiniana em nome de uma aliança com Israel. Também não é difícil perceber quem terá mais apoio popular.



Por fim, o governo turco está empenhado em mostrar a Washington o peso e os custos da aliança com Israel. Aqui, Ancara começa a navegar em águas mais difíceis e profundas. A administração norte-americana ainda não esqueceu a fotografia de Erdogan com o Presidente iraniano (nem esquecerá depressa). Em Washington, começam a surgir interrogações sobre a natureza e as verdadeiras intenções da Turquia. O governo turco arrisca-se a perder o controlo sobre a sua estratégia de alto risco. E se quiser recuar pode não ser capaz por causa da pressão popular interna."

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