segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A "Ditamole", por Boaventura Sousa Santos

Deixo alguns excertos do interessante texto do sociólogo Sousa Santos, cuja versão integral podem encontrar aqui.

"Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso mas breve interregno democrático. Durou menos de 40 anos, entre 1974 e 2010. Nos 48 anos que precederam a revolução de 25 de abril de 1974, viveu sob uma ditadura civil nacionalista, personalizada na figura de Oliveira Salazar. A partir de 2010, entrou num outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada "mercados".


As duas ditaduras começaram por razões financeiras e depois criaram as suas próprias razões para se manterem. Ambas conduziram ao empobrecimento do povo português, que deixaram na cauda dos povos europeus. Mas enquanto a primeira eliminou o jogo democrático, destruiu as liberdades e instaurou um regime de fascismo político, a segunda manteve o jogo democrático mas reduziu ao mínimo as opções ideológicas, manteve as liberdades mas destruiu as possibilidades de serem efetivamente exercidas e instaurou um regime de democracia política combinado com fascismo social. Por esta razão, a segunda ditadura pode ser designada como "ditamole".

Os sinais mais preocupantes da atual conjuntura são os seguintes. Primeiro, está a aumentar a desigualdade social numa sociedade que é já a mais desigual da Europa.
(...)
Segundo, o Estado social, que permite corrigir em parte os efeitos sociais da desigualdade, é em Portugal muito débil e mesmo assim está sob ataque cerrado.
(...)
Terceiro, Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais."

6 comentários:

  1. LOL

    Adoro este medo da "entidade abstrata mercados". A incapacidade de se aceitar que não se pode comer o bolo e tê-lo também leva a isso. Aliás vê-se pelo resto do artigo que não postaste: "A greve geral será tanto mais eficaz quanto mais gente vier para a rua manifestar o seu protesto. O crescimento ambientalmente sustentável, a promoção do emprego, o investimento público, a justiça fiscal, a defesa do Estado social terão de voltar ao vocabulário político através de entendimentos eficazes entre o Bloco de Esquerda, o PCP e os socialistas que apoiam convictamente o projeto alternativo de Manuel Alegre."

    Ah... Está!

    Portanto A caiu em B, não queremos mais B por isso vamos voltar a adoptar A.

    Abraço

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  2. É uma entidade abstracta que gera um medo muito compreensível porque não protege alguns direitos fundamentais do homem. Se começam a trabalhar por uma ninharia na China e a dormir no chão, é claro que as fábricas são deslocadas e os mercados que correm para um custo de mão-de-obra inferior acabaram de prejudicar os que trabalham nessas condições porque permitem que isso se perpetue e os que perderam o emprego porque tinham condições que pelos vistos, sendo dignas, não são suportadas por esses mercados. E ambos têm direitos que esse mercado não respeitou nem respeitará. Verdad?

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  3. Mentira. Porque tu não tens direito a dormir numa cama se não tiveres dinheiro para a pagar - não podes exigir que alguém ta dê. Além disso estás a dizer que eu não posso ir oferecer uma ninharia a um chinês para quem constitui uma melhoria nas condições de vida (senão provavelmente continuaria na sua vida anterior) porque vou tirar um emprego a um português qualquer... No fundo é aquela ideia de atacar uma grande superficie porque senão a pequena desaparece e eu, que só tinha dinheiro para comprar aos preços da grande, bem que me lixo...

    Além de que isto é uma visão estática...

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  4. Há direitos quasi universais! E determinadas condições mínimas à dignidade humana. E quando não se é capaz de alcançá-las sozinho num enquadramento específico de uma determinadas história de vida e percurso que limitaram o indivíduo, então a solidariedade deve existir. Dar isso ao chinês não é melhoria nenhuma. É continuar a fazer com que ele ignore o que são condições mínimas de vida às quais também ele tem direito, Diogo. Assim como o Português. É porque não se trata de uma baixa de produtividade do português. Trata-se da diminuição do custo da mão-de-obra porque se criou essa condição injusta e desigual entre duas pessoas que consegue prejudicar ambas. A trabalha mais do que B, vamos dar emprego a A - isto é uma coisa. Outra é A cobra X por hora e B consegue cobrar X/2 pq vive como um presidiário e só quer ter comida para sobreviver. Por favor, alguma ética nesta selva!

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  5. André o que dizes não faz sentido. Direitos quasi-universais que têm por base produção económica... Como?

    Trata-se de uma baixa da produtividade relativa... Se não tratasse a empresa não sairia. "Continuar a fazer com que ele ignore"... André a escassez não se elimina por decreto. Tu não tens de dar nada ao chinês nem ao português, apenas tens de respeitar as suas decisões no seu contexto particular.

    Para ti ética parte sempre de um altruísmo sem fundamentação e de uma igualdade a ser imposta à posteriori. Eu acho que os seres humanos são iguais a priori e portanto ética requer que eu os deixe livres para agirem de acordo com a sua consciência DADAS AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. Contingências não se eliminam por decreto. O decreto só substitui umas por outras utilizando força física para o efeito.

    Abraço

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  6. Eu compreendo o teu ponto de vista e é perfeitamente racional. Mas ainda assim custa-me deixar cada um entregue às suas circunstâncias, qnd umas podem ser tão penalizadoras para a vida do indivíduo. As contingências não se eliminam por decreto, mas os seus efeitos negativos podem ser atenuados pela acção dos pares..

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