terça-feira, 24 de maio de 2011

Ciências Sociais

Descobri este texto aqui, no Observatório Político da UNL, e reproduzo-o abaixo por considerar esta uma discussão importantíssima nos dias que correm:

"Mais Engenheiros e menos Doutores

Há dias, sentado a uma mesa de reunião, uma das intervenientes interrompe um raciocínio para pedir que a oradora “traduzisse” o seu discurso para linguagem de engenheiro. A senhora era engenheira, de facto. Todos os outros, com um ar comprometido sorriram, não tanto por simpatia ou anuimento ao pedido, mas mais por vergonha. O discurso foi adaptado mas nem por isso resultou numa reunião mais curta ou mais inteligível, para mim pelo menos. Decerto tornou-se mais pobre.

“Ávidas de bons desempenhos económicos, as nações e os respectivos sistemas educativos desprezam as competências indispensáveis à sobrevivência dos regimes políticos liberais” afirma Martha Nussbaum da University of Chicago.

Serve este intróito para remeter para o excelente trabalho feito por Alexandra Prado Coelho na Pública de ontem (8 de Maio), onde se argumenta que as elites já não querem estudar Letras ou Ciências Sociais. Os cursos destas áreas científicas são hoje considerados uma hipoteca sem qualquer espécie de retorno do investimento feito. Estudar Sociologia, Antropologia, História ou Filosofia é sinónimo de duas coisas: primeiro de desemprego; segundo que estes estudantes não são fruto da elite.

As elites forçam que as escolhas dos seus filhos recaiam sobre áreas Tecnológicas (Engenharias) ou Económicas e de Gestão. As elites forçam hoje em dia a criação de uma sociedade formatada e robótica, preparada para decidir “by the book” e sem pensar. A própria noção de que Direito era a saída para os homens de Estado, imprescindíveis num Estado de Leis e Regulamentos “à la carte”, hoje parece estar absolutamente diluída. Os homens do Direito hoje são Engenheiros e Economistas – aos advogados são depois pagos pareceres que clarifiquem as ideias destes outros que, por formação, não estão habilitados a decidir olhando a realidade social.

Perdeu-se a noção da imprescindibilidade do conhecimento histórico dos Estados e das Sociedades. Decidir o futuro de um Estado pode ser, hoje em dia, tarefa de uma equipa que, fechada num gabinete, se limita a apreciar números e tendências.

Argumenta-se neste trabalho do Público que uma formação de base em Ciências Sociais conjugada com uma formação adicional aplicada ao contexto de mercado é a solução de sucesso que urge. Oxford, diz-se no mesmo artigo, emprega todos os seus alunos de História e Filosofia na banca e nas empresas. Isto porque nos cursos de Ciências Sociais são dadas ferramentas de trabalho que não são senão conceitos básicos e operatórios de apoio à decisão. Ensina-se a pensar. Dão-se a conhecer as grandes decisões históricas do passado, mas também aquelas que resultaram em erros colossais.

As Letras e as Ciências Sociais estão hoje arredadas das cúpulas do poder e da decisão. Somos, enfim, chegados a um estado numérico que se torna necessariamente iletrado.

Rui Estevão Alexandre
in Sábado"

2 comentários:

  1. Como eu disse há dias a uma amiga: se homens como Karl Marx ou mulheres como Hannah Arendt (filiações partidárias à parte) olhassem para a sociedade de hoje, rebolariam nos respectivos túmulos pela manifesta falta de intelecto desta gente. Não que eu tenha nada contra engenheiros ou economistas (no caso destes últimos é mais inveja porque nunca na vida serei boa à disciplina), mas sempre tive para mim que antes de haver uma reacção (prática) há que haver uma formulação teórica do problema. Além de que mais tarde ou mais cedo até para os engenheiros e economistas o mercado vai um dia ficar saturado (como é óbvio). Além de que um bom economista não faz necessariamente um bom político. Faltam-lhes lições de História, como diria o Hobsbawn ;)

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  2. Pois, Carla, é isso mesmo. Faltam-lhes lições de História e de filosofia, falta-lhes a teoria. Ignoram-na e desprezam-na de tal forma que tomam decisões não fundamentadas e esperam pelo resultado probabilístico dessas decisões cuja previsibilidade era desde logo fornecida pela teoria. Agora, para nós, é só esperar por essa saturação do mercado e pela falta de pessoas das Ciências Sociais.

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