sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Coeficiente de Gini, pobreza e desigualdade

A designação deste índice deve-se ao seu criador, o estatístico italiano Corrado Gini, que em 1912 criou esta forma de calcular a desigualdade na distribuição do rendimento familiar. Sem juízos morais, ele é aplicado em várias outras áreas do conhecimento, desde a Ecologia, à Geografia, e mesmo à Química.

Esta medida define um valor entre 0 e 1, onde o 0 corresponderia à completa igualdade, acontecendo precisamente o oposto com o 1. A par de outros índices com o mesmo objectivo, como o Atkinson ou o Theil, estes cálculos, depois representados na curva de Lorenz, permitem ter uma ideia da distribuição de riqueza dentro dos diferentes países, possibilitando a comparação entre eles, como é visível no mapa em baixo, que ilustra o coeficiente de Gini no mundo em 2009 (com dados do The World Factbook da CIA)




Em comparação com esta realidade, mais ou menos expectável, da desigualdade de rendimentos, podemos ainda observar o mapa reproduzido abaixo, disponibilizado pelo World Mapper, com a representação da pobreza mundial.




Surpreendentemente, há algumas diferenças curiosas entre os dois – enquanto a América do Sul é marcada por grandes diferenças no rendimento (coeficiente de Gini), já a pobreza humana afecta sobretudo o continente africano e o sul da Ásia. A Índia é dos países que nesta área tem uma maior representação, mas em termos de distribuição de riqueza situa-se ao mesmo nível de Portugal, do Japão ou da Nova Zelândia. Já para não referir que na Argélia a desigualdade é menor que nos EUA. Tal como o Afeganistão, que ocupa o 181.º lugar no ranking da pobreza e que, em termos do coeficiente de Gini, apresenta valores inferiores aos dos Estados Unidos.

É na análise comparativa das diferentes realidades e no cruzamento de diversos dados que conseguimos diagnosticar o estado dos diferentes países, traçando um quadro geral no qual nos apoiamos para produzir conhecimento e apresentar soluções ou propostas para o bem-estar geral da população, um dos objectivos dos teóricos que se debruçam sobre estas questões, uma vez que só assim se evitam extremismos, fundamentalismos, criminalidade e, em última instância, os conflitos ou mesmo a guerra.

3 comentários:

  1. André

    Parabéns pelo blogue! Tenho seguido com atenção!

    Deixo-te contudo algumas inquietações minhas:

    Porque consideras surpreendente que essas dimensões (pobreza, desigualdades na distribuição) não estejam correlacionadas?

    Podes explicar-me o que entendes por bem-geral? E, já agora, dizer quem o decide?

    Pessoalmente, não creio que disparidades no rendimento produzam criminalidade, etc. se forem fundadas numa diferença objectiva de produtividade e esforço, isto for público, as pessoas forem livres (no seu sentido mais exigente: direito absoluto ao produto do seu trabalho e à troca livre com outros indivíduos que também queiram negociar) e não haja uma massa populacional em extrema pobreza (esta condição é naturalmente satisfeita pelas anteriores, que pressupõem um regime capitalista). O problema começa quando se equacionam “disparidades” com “injustiça” (impedindo aquela publicidade), tal como é feito comummente; levando-se indivíduos menos favorecidos a considerar a sua situação como obra do acaso, de um universo maléfico e injusto, da contingência social e natural (o que pode levar à instabilidade social, tal como tu apontaste) não fazendo nenhum esforço real (para além de se queixarem ao Sector Público) para sair da sua situação…

    Continua com o bom trabalho!

    Abraço

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  2. Olá, Lourenço!

    Obrigado pela fidelidade! Espero estar à altura dela.

    Considerei-as surpreendentes porque, ingenuamente, associava problemas de pobreza com disparidades na distribuição, que não é o que acontece, como vemos pelos dados. Pensava que certos países marcados pela pobreza, automaticamente, fariam parte dos quadros das disparidades por associá-los a certas elites endinheiradas, cuja grande parte da riqueza obtinham a partir da corrupção que originava tal pobreza. Um raciocínio assim tão linear, mas que tive que rejeitar.

    Quanto a bem-estar geral, essa é uma questão realmente mais complexa. Trata-se de um conceito muito subjectivo. Na acepção que utilizei no artigo, referia-me tão somente à ausência de pobreza. Apesar de considerar o conceito de pobreza muitas vezes utilizado (aquele do dólar por dia) muito redutor, essa era a ideia básica a que me referia - a países cuja população não tivesse que viver com uma escassez tão acutilante (pelo que sei, conceito central na Economia). Repare-se que a Etiópia pede urgentemente por ajuda na alimentação de milhares de pessoas, o índice de peso médio de grande parte das populações africanas é muito inferior ao desejável, assim como níveis de HIV/SIDA, mortalidade infantil, baixa esperança média de vida, etc. São essas lacunas que acho necessário colmatar. Quem são os responsáveis? Bem, talvez um status quo difícil de mudar. Talvez nem nós mesmos estivessemos interessados nessa mudança. Mas uma política mais proactiva no sentido humanitário, da promoção da ajuda sem determinados interesses subjacentes fosse já um princípio. Compreendo as dificuldades práticas em termos políticos e económicos que acarretaria, mas continuo a desejar que aconteçam e a contribuir para isso.

    A questão da produtividade e do mérito são efectivamente práticas e contêm, implicitamente, uma concepção de justiça que me agrada. Contudo, desagrada-me que certas situações de pobreza e desigualdade sejam endémicas, quase intrínsecas a certos grupos. E esse quase " "determinismo" " acarreta sérios problemas de estabilidade social, como não poderás negar, porque potencia desânimo, revolta. Talvez precisassem de lutar mais, mas por vezes também necessitassem de sair de graves ciclos viciosos que os prendem e os limitam na exponenciação das suas capacidades. Não é obra do acaso; é obra de um ciclo em que se vêem envolvidos sem terem grande responsabilidade nisso. Eu percebo a tua perspectiva, e em parte concordo com ela, mas há um "je ne sais quoi" que falta na engrenagem desse raciocínio, um óleo que é precisamente o nascer em condições que dificultam (não impedem, mas dificultam muito) as potencialidades individuais. Um brilhante músico nascido em Nova Iorque tem que perceber que ter nascido numa favela brasileira ter-lhe-ia dificultado muito a vida. É isso culpa do próprio? Não o é de um mundo maléfico. Mas também não é dele. É so esta ligeira gradação. Realmente nem tudo é preto, mas nem tudo é branco também...

    Abraço!

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  3. André,

    Obrigado por me teres respondido. Entendo as tuas reservas, mas creio que essas “dificuldades endémicas” seriam raríssimas numa sociedade absolutamente livre. E uso o teu exemplo: não vês dificuldades dessas num âmbito tão universal e frequente nos países desenvolvidos como vês, por exemplo, no Brasil. Enquanto aqui há um arranjo institucional que, apesar de cada vez menos e bastante no “cinzento”, protege direitos e liberdades fundamentais, nas favelas do Brasil reina a força (como ultimamente mais uma vez se tem visto). Atenta nas condições que enumerei.

    Queria também chamar a atenção para um pequeno grande ponto no teu exemplo do músico. Importa analisar cada situação objectivamente e contextualizá-la. O importante não é tanto conseguires chegar tão longe como um nova-iorquino, mas moldar o teu mundo de acordo com os teus valores e à tua medida. Podes ser um escritor de grande qualidade, mesmo que todas as tuas obras fiquem aquém da Ilíada... Não é conseguir que um transmontano tenha igual probabilidade de se tornar milionário que um nova-iorquino o que nos deve preocupar, mas conseguir que um transmontano possa agir livremente e decidir a sua vida sem apanhar um tiro de um traficante.

    Como disse, apesar de concordar que há dificuldades endémicas a certos grupos que podem levar a um desaproveitamento reiterado de potencialidades, não as creio (aqui tomadas a um nível limite e não como meras reproduções) sustentáveis a longo prazo num clima de absoluta liberdade, em que qualquer indivíduo pode agir por si e ter instituições que o protejam da brutalidade de outros. Se seria imediato ou não, poderá ser cinzento. Todavia, a partir deste ponto a reprodutividade social não seria particularmente preocupante. Já não seria um “círculo vicioso de determinismo social”, por assim dizer…

    Penso ter lubrificado a engrenagem um pouco mais?

    As questões fundamentais contudo são pretas e brancas. Em questões de princípio não pode haver cinzentos: não podes conceder a um assaltante o direito a um único cêntimo.

    Abraço

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