Para muitos pragmatistas, as Ciências Sociais não desempenharam nenhum papel de relevo na vida quotidiana das populações: os teóricos dessas áreas não descobrem medicamentos ou tratamentos, não desenvolvem técnicas para a construção de casas, pontes ou máquinas, não contribuem para a produção industrial nacional. Servem apenas para entreter e ocupar uns quanto intelectuais.
Nós, os investigadores e todos aqueles ligados a uma dessas áreas do conhecimento abrangidas pela denominação, tentamos, muitas vezes sem sucesso, contrariar estas perspectivas limitadoras e redutoras do conhecimento científico. É verdade que nenhum de nós põe em causa a importância das ditas ciências exactas e das naturais, mas também não é menos verdade que o conhecimento produzido pela Economia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Relações Internacionais, Ciências da Comunicação, etc. é fundamental quer para a competitividade de cada país, quer mesmo para o bem-estar dos indivíduos.
É claro que este meu alerta vai focar-se essencialmente nas Relações Internacionais, uma vez que é esta área que conheço melhor e que outros serão mais capazes de argumentar a favor das suas áreas. Não se trata de uma disputa entre as ciências sociais/naturais/exactas, mas apenas de estabelecer um equilíbrio justo entre todas, já que todas contribuem, usando diferentes lentes, para compreender a realidade no seu todo e complexidade.
Nas origens das Relações Internacionais enquanto disciplina académica, no período entre guerras, estava um princípio idealista que me parece convincente para a formação de um corpo teórico autónomo, que está ainda a dar os primeiros passos: era o princípio da paz. Primeiramente, as RI foram estabelecidas como apoio à decisão e como campo de estudos com vista a evitar a guerra, conhecendo as dinâmicas mundiais para atingir esse objectivo idealista, que entretanto foi ultrapassado, mas que não se pode negar enquanto fundamento inicial desta jovem ciência.
Mas regressando à questão inicial, eu gostaria apenas de apontar alguns exemplos em como as questões teóricas que muita gente pensa que discutimos por preciosismos intelectuais são muito mais do que isso. São isso, mas têm implicações práticas na vida real de muitos indivíduos.
Por exemplo, se eu considero que o sistema internacional é fechado e mecanicista (ou seja, que funciona como um relógio com várias peças que se inter-relacionam), então intervenho no Iraque para substituir a “peça que não funciona” e, como não encaro a situação como a realidade, que não passa por esta concepção mecanicista clássica, há mortes, perdas, desgaste e sofrimento, porque, na realidade, o Iraque não é uma peça, é fugidio, reage, não verga, não se deixa corrigir passivamente e dá origem à guerra. Pessoas morrem, outras ficam feridas ou com mazelas para toda a vida; pessoas sofrem o desgosto; pessoas ficam sem casas; pessoas são obrigadas a abandonar as suas casas e tornar-se refugiadas.
Se eu defino uma situação como de manutenção de paz e não faculto armamento mais forte aos soldados e eles são mortos, este pressuposto teórico teve consequências práticas; se eu encarasse aquele contexto como de guerra e, consequentemente, atribuísse o dito armamento que vai tornar os militares menos vulneráveis, diminuiria a possibilidade de morrerem. Aí voltam as minhas definições teóricas a ter uma sequência lógica na realidade.
Se eu defendo, enquanto teórico, que a forma de resolução de conflitos mais eficiente é a competição militar, com recurso à força sempre que necessário e sem mediação diplomática, eu vou dar origem a muitas guerras e conflitos desnecessários que afectarão as histórias de vida de milhares de pessoas envolvidas. Já para não falar nas consequências que levanta a alocação de recursos para uma guerra em vez de serem atribuídos à segurança social, por exemplo.
E por aí adiante, poderia enumerar muitos outros exemplos, dentro das RI, que ilustram na perfeição como estas discussões que existem entre os teóricos não são em vão ou vazias de interesse prático. Na realidade, elas podem, em última análise, salvar vidas – que é o princípio fundamental de toda a realidade. Assim, juntamente com várias outras ciências que darão os seus contributos noutras ou até mesmo nestas áreas, há um enriquecimento da humanidade e uma construção de saberes que só têm como finalidade melhorar a existência dessa mesma humanidade.
Somos uns incompreendidos. Mas talvez seja por sermos uma Ciência nova. (Há quem não considere Ciência até!) Mas é sempre assim, as mentalidades, uma coisa complicada de mudar desde os tempos mais antigos.
ResponderEliminarEu compreendo as críticas que nos fazem e muitas delas têm sentido. É só uma questão de tempo e um esforço no sentido do rigor epistemológico e as coisas vão mudando; mas só depende de nós.
ResponderEliminarPor enquanto, vamos fazendo o que podemos.. Nem que seja alertar para estas questões.
Na minha opinião este site, não traz especificamente, o que queremos descobrir.
ResponderEliminarFoge um pouco do assunto abordado, e que mais nos aflinge, por saber que somos incompreendidos.... :P
Muito interessante este seu post. Tomei a liberdade de coloca-lo no blog do Professor Carlos Serra, Diario de Um Sociologo, onde ele coloca exactamente esta questao na berlinda.
ResponderEliminarEu agradeço, Ricardo. Mas poderia deixar-me o link para eu seguir também? Obrigado!
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