sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Os novos cargos

Depois de tantas semanas de especulação, finalmente saiu fumo branco, não da Sistina, mas de Bruxelas.




O Presidente do Conselho, o tal número da Europa, foi uma figura escolhida pela sua habilidade em criar consensos - realmente a questão belga de há cerca de um ano foi uma prova de fogo e temos que admitir que em termos de UE a dificuldade de consensos aproxima-se muito daquela situação. Efectivamente é uma figura pacata e que não levanta grandes ondas. Tanto não levantou que em hora e meia os chefes de Estado e de Governo despacharam a coisa. Agora o problema foi mesmo esse: não levantar ondas, não ter impacto, não criar discussão. Ou por outra, criar discussão, mas por não criar discussão. Era preciso alguém com uma maior visibilidade. O sueco ou o britânico Blair tinham sido figuras que o mundo já conhecia bem; este senhor vai demorar muito tempo até ser reconhecido como uma cara da União. Ora, tal como opinei neste blogue, o papel de Presidente do Conselho dependerá do desempenho do seu primeiro ocupante; está, contudo, visto, que não será um desempenho assim tão corajoso ou audaz, mas de muita sombra e discrição. Não fico contente com esta decisão.

E também não fico contente com a decisão do Alto Representante para a Política Externa e de Segurança. A senhora trabalhista britânica. Reparem que ela não foi escolhida por mérito (quer dizer, a senhora terá muito mérito, atenção. Mas na área dela, que não é, de longe nem de perto, a política externa ou a segurança ou mesmo as lides internacionais). Ela foi escolhida, isso sim, por critérios que me deixam muito incomodado: 1. é trabalhista - os socialistas não abriam mão deste cargo para criar equilíbrio institucional e então tinham que meter alguém à pressão, depois da desistência de Miliband, do passado comunista do de Allena e da recusa de Blair; 2. é mulher - como sabemos, a corrente feminista tem crescido nas RI e nos meios políticos e, nesse sentido, havia muita pressão para que se escolhesse uma mulher por questões de paridade e daqueles princípios todos muito estranhos que olham primeiro para o sexo e depois para o mérito, numa lógica quase de quotas, vergonhosa no meu entender; 3. é britânica - França e Alemanha uniram-se contra um britânico como Presidente, na consagração do seu pacto, como afirmava um jornal espanhol. E ao escolherem um país pequeno para a presidência, tiveram que escolher um grande para o cargo e mais uma vez atendendo ao princípio do equilíbrio geográfico (já que os alemães querem também ficar com a presidência do BCE).

Muito pessoalmente, acho que há muito desequilíbrio nestes equilíbrios. Aliás, nós sabemos quem continuará a lançar as cartas e com quem falará Obama quando tiver algum problema: com cada um dos grandes da Europa e nunca com o consensual belga. Mas isso é outra conversa.

Ora, assim, a D. Catherine foi escolhida para o cargo, segundo a minha perspectiva, por estas razões e por mais nenhumas. O Sr. van Rompuy por ser sossegado e sem capacidade de dar dores de cabeça aos parceiros que tão simpaticamente o elegeram.

Como não podia deixar de ser, os portugueses já estão a organizar a celebração da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que será no Palácio de Belém, no dia 1 de Dezembro, como noticia o Público. É a nossa tradição de bons anfitriões.

(Amanhã continuo com os BRIC)

5 comentários:

  1. Bom texto!

    André, partilhas da impressão que nós por cá andamos mais excitados por o tratado ser "de Lisboa" do que com o seu conteúdo? Achas que vamos celebrar o tratado ou o seu nome?

    Abraço

    ResponderEliminar
  2. André,

    o nome de Blair não se adequava ao espírito do Tratado. O cargo que o senhor belga vai ocupar é tão executivo que até faz impressão. Daí a escolha ter sido ele.
    Gosto muito de ouvir os senhores da europa, principalmente em tempo de eleições europeias, chamarem a atenção para a UE, para a sua importância, bla bla bla. Depois, na prática, fazem coisas como o Tratado de Lisboa e põe pessoas nos cargos que não lembram ao diabo. Se Barroso não fosse presidente da Comissão, quantos portugueses saberiam quem era o presidente da mesma? Por outras palavras, quantos europeus sabem quem é o senhor Barroso? O mesmo se vai passar com van Rompuy. É mediocridade ao serviço dos poderosos - Londres, Berlim e Paris. Depois não me venham com cantigas.

    ResponderEliminar
  3. Há um lapso: queria dizer "o cargo é TÃO pouco executivo". Faz toda a diferença.

    ResponderEliminar
  4. Eu sim é que fiquei deveras incomodada por te incomodar o facto de escolherem uma mulher para um dos cargos mais relevante a nível europeu. Achas que o género de tal posto já estava decidido e faltava apenas surgir o nome mais ou menos consensual?

    ResponderEliminar
  5. Obrigado a todos pelos comentários!

    Lourencinho, concordo contigo. É natural que os portugueses não querem saber do Tratado para nada; apenas acham graça a terem um tratado com o nome da capital e assim celebram esse feito, muito numa lógica sebastiana, de regresso da nossa influência! Até um Tratado temos com o nome de Lisboa, vê lá tu! Só pode ser um bom sinal para o futuro! :P

    P. Fragoso,

    Bom, a questão é mais delicada. O Tratado de Lisboa ficou aquém daquilo que seria necessário para uma Europa realmente forte como um todo. As escolhas foram estratégicas, o Tratado, com as modificações que sofreu e todas as cláusulas e excepções, que me parecem que são mais do que as próprias disposições do texto, falhou na sua intenção inicial. Efectivamente é a consolidação do eixo que referiste. Agora também não podemos esquecer-nos que há uma grande margem de manobra no cargo de Presidente do Conselho. O Tratado é muito vago; havia até o medo da sobreposição de funções com o Presidente da Comissão. E tal como acho que referi aqui ou num artigo que escrevi sobre isto, o sucesso do cargo vai depender da forma como o seu primeiro ocupante o desempenhar. E Blair, pelo menos, daria mais visibilidade, mesmo que continuasse com constrangimentos. Quanto à questão do reconhecimento, bem.. Isso parece-me muito complexo, porque há muitos portugueses que não sabem metade dos seus ministros; há pessoas que não conhecem líderes europeus. As taxas de abstenção e de participação política são reveladoras desse distanciamento e não me parece que seja por aí que as coisas vão falhar. Porque é um fenómeno transversal, como certamente saberás. Queixam-se de quem é eleito, de não terem tido oportunidade de mostrar a sua escolha, mas nem sequer votaram no Parlamento Europeu, nem se quer leram um artigo do Tratado, nem sequer acompanham as notícias. Quanto a isso, tenho só a lamentar..

    Cara Camila,

    Interpretou-me mal. Eu não ponho em causa o facto de ser mulher a Alta Representante; muito sinceramente, acho que as mulheres são líderes tão capazes quanto os homens e isso nem se põe em causa. Por mim, até podiam ter sido os dois cargos ocupados por mulheres e eu estaria felicíssimo. Mary Robinson, por exemplo, tem um curriculo internacional que faz inveja a muitos homens e gostava de a ter visto no lugar. A outra senhora, Catherine Ashton, parece-me pouco indicada pela sua inexperiência, assim como me poderiam parecer outros homens. A questão que eu levantei foi precisamente por ter sido escolhida tendo por base um critério sexista e completamente desadequado. As mulheres merecem tanto quanto os homens; é apenas uma questão de mérito individual; havia muita pressão por estas questões injustas de paridades (e não, não é uma antítese). Para mim, havia mulheres melhores, só isso. Mas isso nem sequer é critério a ter em conta. Tem mérito, vai para o lugar, independentemente do género. É isso que defendo.

    Espero ter esclarecido todos! :) Obrigado!

    ResponderEliminar